7 de jun. de 2015

Hans Kelsen por Adrian Sgarbi

A partir do livro de Adrian Sgarbi, Clássicos de Teoria do Direito (no qual ele discute sobre autores respeitáveis que buscaram explicar o Direito), fiz um breve resumo do capítulo que o autor fala sobre Hans Kelsen e sua Teoria Pura do Direito.


Introdução

Kelsen quer aplicar para a formulação do conhecimento jurídico uma forma de estudo similar ao que é aplicado a outros tipos de ciência, para que seja desenvolvida uma segurança ao conhecimento jurídico. Mas há um problema a enfrentar, que o Direito, com seu conjunto de normas jurídicas, está inserido na zona do dever ser e tal dever está presente no ambiente da moral, religião, etc. numa dinâmica comportamental. Dentro do vasto campo do comportamento humano, torna-se importante discernir quando o dever jurídico está em cena.

1- Normas em geral e norma jurídicas

1.1- Direito como técnica social específica

O Direito induz a pessoa se comportar de determinada maneira, pois se sabe que algum tipo de conduta ilícita acarretará algum tipo de sanção. Kelsen diz que uma conduta ilícita não é um ato antijurídico, mas um pressuposto que licencia o uso da pena.

1.2- Coercitiva

Kelsen afirma que "os deveres normativos jurídicos não se diferenciam dos deveres morais, porque ambos estatuem comportamentos devidos". A forma de sanção de um dever moral é algo que vai girar dentro do próprio ser (arrependimento, por exemplo) e a sanção do dever jurídico é um tipo de sanção externa. A diferença está no Direito ser sancionado por forças estatais e nisso está seu caráter coercitivo. O Direito evita certo comportamento ilícito ao imputar à alguma conduta contrária determinada sanção e isso torna a conduta humana condicionada

1.3- Diversa da ordem natural

Enquanto as leis que estruturam os fenômenos naturais são baseadas no principio da causalidade (causa e efeito), as leis que estruturam os acontecimentos normativos se fundam no principio da imputação. A relação entre o ato e a punição não é por causas de leis naturais, mas estabelecidas por vontade humana. Um comportamento não normativo-jurídico nada significa para o Direito.

Mundo do ser significa realidade natural, o mundo existencial e toda sua dinâmica natural e independente da vontade humana.  O mundo normativo é quando dois fatos se vinculam através do principio da imputação (condição e consequência atribuídas ao homem), consequência esta estabelecida pela vontade humana e não por fatores naturais. A ação humana ganha uma natureza normativa e são esses tipos de ações que interessam ao Direito.

2- Dinâmica e Estática

De acordo com Kelsen (1998, p.137),

“Segundo a natureza do fundamento de validade, podemos distinguir dois tipos diferentes de sistemas de normas: um tipo estático e um tipo dinâmico (...) Um sistema de normas cujo fundamento de validade e conteúdo de validade são deduzidos de uma norma pressuposta como norma fundamental é um sistema estático de normas (...) O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora (...)”

A validade da norma se revela quando ela existe no conjunto normativo e é obrigatória ao sujeito e quando ela deve ser aplicada pelos órgãos jurisdicionais. Deve ser obedecida pelos sujeitos e aplicada juridicamente.

Como critério de conferir a validade das normas, para Kelsen há dois possíveis, ou é estático ou é dinâmico.

O sistema estático é quando a partir de uma norma se deriva deduções lógicas e essas deduções pertencerão ao sistema normativo. Os atributos dessas deduções lógicas estão implicitamente estabelecidos pela norma de origem. Elas herdam da norma de origem seus atributos.

Um exemplo desse sistema estático são as normas morais, que de uma pode-se emergir tantas outras deduções realmente lógicas. Kelsen cita o exemplo da norma moral honestidade, e dela pode-se emergir a sequencia de ser fiel a esposa, não mentir, etc.

No sistema normativo dinâmico há uma interação normativa de autorizações consecutivas, contínuas.  Uma norma é preparada, fundada a partir de outra que legitima tal poder de criação de normas a alguém. Então, uma norma apenas pode ser válida se o sujeito que a produziu for competente, adequado para isso e foi atendido os procedimentos regulares. Existe uma norma autorizadora que permite que um poder seja competente de produzir outras normas. E que nesse poder competente também lhe é conferido o atributo de nomear outras autoridades. Isso  Kelsen chama de fenômeno da delegação.

O ordenamento jurídico para Kelsen é dinâmico em sua composição e dentro de uma cadeia sucessiva de autorizações. Todo sistema jurídico para Kelsen é dinâmico. Já o sistema estático, peculiar de conjuntos morais, é constituído de operações mentais de deduções. O campo moral é formado apenas por normas de conduta, no qual deriva as deduções lógicas e o ambiente normativo-jurídico precisa de normas de competência, que faça com que outras normas possam ser criadas.

3- Constituição, Concretização

O mundo do ser é o mundo dos fatos regidos pela lei da causalidade, pelos fenômenos das leis físicas e naturais. E este mundo do ser não resulta de um dever ser. O dever ser é o mundo das normas, um dever ser orquestrado através do princípio da imputação. A existência de um dever apenas pode apoiar-se e ter validade na existência de uma outra norma juridicamente validada. Como resultado dessa condicionalidade é que o ordenamento jurídico é escalonado em normas superiores e inferiores, ou normas superiores fundantes e normas inferiores fundadas.

Kelsen remata que o Direito tem uma dinâmica própria de criação e que a própria criação é também simultaneamente sua aplicação. Pois quando o legislador produz leis ele está aplicando a Constituição e quando o judiciário aplica essas leis ele está também criando normas individuais que são as sentenças.

4- Norma Fundamental

O que fundamenta a unidade de uma pluralidade de normas? Por que uma norma vale e o que constitui seu fundamento de validade?

Sobre norma fundamental, esclarece Kelsen (1998. p.136):

“Todas as normas, cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental, formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.”

O código é valido porque o legislador está legitimado pela Constituição a editar leis. A Constituição pertence ao sistema normativo e surge a questão da validade da Constituição. Qual norma valida a Constituição?  Emerge então o problema da fundamentação normativa, no qual está em se encontrar o fundamento de validade das normas. Encontrar a norma validamente superior. E com isso, Kelsen desenvolve a teoria da Norma Fundamental. Por não ser posta por nenhuma autoridade jurídica a norma fundamental pode apenas ser pressuposta. Norberto Bobbio a conceitua como sendo um fundamento subentendido que legitima todo sistema jurídico. Kelsen não reconhece qualquer regra moral ou natural como critério de validade para uma norma positiva. Sugere a Norma Fundamental como uma norma fictícia, sem conteúdo material.

Referências Bibliográficas:

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito; [tradução João Baptista Machado]. 6ª ed. - São Paulo : Martins Fontes, 1998. Disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/HansKelsenTeoria.pdf. Acesso em: 07 junho 2015.

SGARBI, Adrian. Clássicos de Teoria do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 31-48. 2009 

2 comentários: