29 de ago. de 2015

D. Penal - Fontes do Direito Penal / Classificação das Normas

  • 1 - Fontes do Direito Penal
Fonte é o lugar de onde algo se origina. A fonte do Direito Penal é o Estado, por possuir caráter público sua única origem é o Estado. A  Constituição Federal em seu art. 22 preceitua: compete privativamente à União legislar sobre direito penal. A União é, então, a fonte material, substancial do direito penal. Mas o Estado não legisla arbitrariamente, como ensina Noronha (1991, p.44), "as leis não nascem de fantasia ou capricho seu. Em regra, é a vida social, em seus imperativos e reclamos, é a civilização, é o progresso, são outros fatores e situações que o solicitam a ditar o direito. Tudo isso, ainda que vago e impreciso, porém presente e antecedente à atividade estatal legislativa, é também fonte de produção" (fonte formal). 

As fontes se dividem em duas classes: fontes de produção ou material e fontes formais ou de conhecimento. 

1.1 - Fontes de Produção ou Material: é o meio de onde são emanadas, legisladas as normas jurídicas. No Direito Penal a única fonte material das leis penais é o Estado, este é a única entidade que pode criar tais leis. 

*1.2 - Fonte Formal ou de Conhecimento: é o modo ou o meio pelo qual a vontade jurídica se manifesta. Noronha (1991, p.46) diz que as fontes formais "revelam o Direito Penal; são a maneira por que ele se exterioriza e objetiva". Temos como fonte formal a sociedade, esta que faz com que o Estado (fonte material) produza, crie, prescreva as leis penais. As fontes formais se dividem em 2 espécies: Imediata e mediata. 

Imediata: é, precisamente, a lei. Onde encontramos o direito vigente (Constituição, Códigos, Decretos, Tratados etc). A lei que determina se certa conduta é proibida ou não. Recorremos à fonte para tomar conhecimento sobre a proibição de condutas. 

Mediata:  são os princípios, a doutrina, a jurisprudência e os costumes. As fontes mediatas não criam e nem revogam leis, mas servem de suporte ao intérprete. A mediata auxilia na compreensão das imediatas. 

* A analogia não é fonte do direito penal. Pode ser utilizada apenas para benefício do réu. Sobre esse aspecto Noronha (1991, p.51) reitera: "A analogia é inadmissível para criar crimes e estabelecer sanções, onde impere o princípio da legalidade. Já o mesmo não pode se dizer da analogia in bonam partem, que beneficie e favorece o acusado, podendo então ser invocada, não só quanto a ilicitude do ato como, também, na mitigação da pena".

  • 2- Distinção entre lei penal e norma penal
Não há diferença entre a lei penal e a norma penal. A lei é o veículo onde vai a norma jurídica e o código é o conjunto de normas e tudo junto é a lei. 

A teoria de Binding distingue a lei penal da norma penal, pois Binding afirmava que quando um agente praticava uma conduta que se adequava ao preceito penal, ele não estava indo contra a lei, pois sua conduta fez exatamente aquilo que a lei penal descrevia. Para Binding, lei é o descrito e norma é o sentido da descrição. Por exemplo, um sujeito que pratica homicídio realiza aquilo que o art. 121 do CP versa: matar alguém. O agente não foi contra a lei, pois fez exato aquilo prescrito nela. Contudo, ele foi contra o sentido implícito contido na mencionada lei penal, na qual estava imersa a direção proibitiva da conduta, significando implicitamente: não matarás. 'Não matarás' surge, então, como norma. "A lei, segundo Binding, teria caráter descritivo da conduta proibida ou imposta, tendo a norma, por sua vez, caráter proibitivo ou mandamental" (GRECO, 2015, p.67).

Jesus (1994, p. 13 apud GRECO, 2015, p. 66) discorda de Binding ao explicar que "entre lei e norma legal, não há esta diferença encontrada por Binding. Mais correto é afirmar que a lei é a fonte da norma penal. A norma é conteúdo da lei penal"

  • 3- Classificação das Normas Penais
Há 2 grupos de normas: 

- Normas Penais Incriminadoras
- Normas Penais Não Incriminadoras

Incriminadoras: Consideradas também normas penais em sentido estrito, proibitivas ou mandamentais. Descrevem a conduta criminosa submetendo-a a sanções. É aquela que traz detalhadamente a conduta como crime e estipula sua pena. Elas possuem 2 preceitos: o primário (preceptum iuris) e o secundário (sanctio iuris). O primário é a descrição da conduta criminosa; o secundário é a fixação da pena. As normas penais incriminadoras estão na parte especial do Código Penal. 

Ex: Art. 125 CP: Provocar aborto, sem o consentimento da gestante (preceito primário)
                              Pena: reclusão, de três a dez anos (preceito secundário). 

O agente que praticar a conduta prescrita no preceito primário sofrerá as sanções previstas no preceito secundário. 

*Não Incriminadoras: São as normas que permitem determinadas condutas criminosas e estão divididas de acordo com suas finalidades. Greco (2015, p.67, 68) clarifica: 

"As normas penais não incriminadoras (...) possuem as seguintes finalidades: 

a) Tornar lícitas determinadas condutas
b) Afastar a culpabilidade do agente de isenção de pena
c) Esclarecer determinados conceitos
d) Fornecer princípios gerais para a aplicação penal"

As normas penais não incriminadoras se subdividem em: 

Permissivas Justificantes: são aquelas que permitem e que justificam determinadas condutas criminosas e tem por finalidade afastar a ilicitude do agente. São as excludentes de ilicitude, tornam o fato lícito: 

- Estado de necessidade
- Legítima defesa
- Estrito cumprimento de dever legal
- Exercício regular de direito

São normas não incriminadoras permissivas justificantes as normas dos arts. 23, 24, 25 do Código Penal. 

Art. 25: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. 

Entende-se ao interpretar o que está versado no art. 25 do CP que o agente que ao se utilizar dos meios moderados para se defender agride justamente um sujeito que lhe agride injustamente, ou está na iminência de lhe agredir, defende-se legitimamente, ou seja, sua conduta não é ilícita. O art. 25 é uma norma penal não incriminadora permissiva justificante, pois permite tal conduta, mesmo que essa conduta venha causar lesão e até morte do sujeito que praticou a injusta agressão.   

Permissivas Exculpantes: a finalidade das exculpantes é excluir a culpabilidade do agente, isentando ele de pena. Normas dos arts. 26, caput; 28, § 1°; 128, I II do Código Penal

Art. 26, caput: é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

Observação:

Não confundir as normas permissivas justificantes com as normas permissivas exculpantes. As justificantes, pelo sentido da própria terminologia, justificam uma conduta que se não fosse protegida por essas normas se tornaria ilícita, como o exemplo citado acima da legítima defesa. As normas permissivas exculpantes excluem a culpa do agente que teve uma conduta ilícita, mas por algum motivo legal não pode ser atribuído a esse agente a culpabilidade. Exemplo é o inimputável por doença mental que é passível de cometer um crime mas não tem capacidade de entender o caráter ilícito do ato. Tal agente é protegido por normas penais permissivas exculpantes, ou seja, excluir-se-á a culpa dele e, portanto, o fato não será configurado crime.  

Normas Penais Explicativas: são aquelas que visam esclarecer, explicar conceitos, dirimir dúvidas para fins penais. Normas dos arts. 150, § 4°, I II III; 327 CP. 

Art. 150, § 4°: a expressão "casa" compreende: 
                       I - qualquer compartimento habitado
                      II - aposento ocupado de habitação coletiva
                     III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou                                atividade

Art. 327: considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. 

Normas Penais Complementares: são aquelas que dão suporte, fornecem princípios gerais para a aplicação da lei penal. Ver norma do art. 59 do Código Penal.

*Norma Penal em Branco

É aquela que a descrição da conduta, a descrição do preceito primário está incompleto e precisa, então, de outra lei para completá-lo, seu complemento será provido por outra lei. Na norma penal em branco, o preceito secundário, a punição, estará determinado e clarificado, mas o preceito primário, por estar incompleto e ser necessário entender sua esfera de aproveitamento, será fornecido e obedecido, obrigatoriamente, como explica Noronha (1991, p. 47), por outro dispositivo legal, decretos, regulamentos e portarias. 

A norma penal em branco se divide em 2 grupos: 

Heterogênea: é quando o preceito que está incompleto for complementado por uma norma de fonte diferente daquela que a editou. 

O art. 28 da Lei Antidrogas da lei 11.343/06 editada pelo Congresso Nacional diz: 

"quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas (...)"  

Tal artigo é uma norma penal em branco, em que é preciso recorrer a leitura da Portaria emitida pela ANVISA (uma autarquia), vinculada ao Ministério da Saúde, para tomar conhecimento qual substância é ou não é entorpecente (droga), para após isso ser definido os fins da aplicação do art. 28 da Lei Antidrogas. (GRECO, 2015). 

A Lei Antidrogas foi editada pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional). Seu art. 28, que é uma norma penal em branco, foi complementado por outra norma vinda de uma fonte diferente daquela que a aditou, pois o complemento veio através da Portaria da ANVISA, uma autarquia vinculada ao Ministério da Saúde e não ao Poder Legislativo (Congresso Nacional). Portanto, fontes heterogêneas. Sendo assim, o art. 28 da Lei 11.343/06 é uma norma penal em branco heterogênea, pois seu preceito primário está incompleto e vai tomar complemento de uma outra norma produzida de fonte diferente.  

Homogênea: é quando a norma que está incompleta é complementada com normas da mesma hierarquia, da mesma fonte legislativa. 

Tomando como exemplo o art. 237 do Código Penal: contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta: Pena: detenção, de três meses a um ano. 

Quais são tais impedimentos que o art. 237 do Código Penal não cita? É preciso, então, pesquisar no Código Civil, pois aí está no seu art. 1521 quais seriam esses impedimentos capazes de anular o casamento e gerar punição. O preceito primário do art. 237 do Código Penal está incompleto, é uma norma penal em branco, e precisou ser complementado pelo art. 1521 do Código Civil, ambos os artigos foram produzidos pelo Poder Legislativo. O Congresso Nacional (Poder Legislativo) editou tanto as normas do Código Civil quanto as normas do Código Penal. A norma penal em branco foi complementada por uma norma do Código Civil, ambos os códigos produzidos e editados pelo Poder Legislativo, portanto, norma penal em branco homogênea, pois a fonte de produção foi a mesma. 

Assim, complementa Greco (2015, p. 71), para que possamos saber se uma norma penal em branco é considerada homogênea ou heterogênea, é preciso que conheçamos, sempre, sua fonte de produção. Se for a mesma, ela será considerada homogênea, se diversa, será reconhecida como heterogênea. 

Norma Penal ao Revés ou Incompleta ou Imperfeita

Aqui, o preceito secundário está incompleto. 

Nesse tipo de norma, é a sanção que está incompleta e precisa recorrer-se a uma outra norma para se conhecer a sanção. No preceito primário há precisamente a descrição incriminadora, mas a consequência da conduta, a sanção, não se encontra presente, encontra-se em outro dispositivo legal. 

Tem-se o exemplo da Lei 2.889/56 que versa sobre o genocídio, mas o preceito secundário, a punição, aponta para as penas do art. 121 do Código Penal. 


  • 4 - Anomia
É quando se tem uma conduta criminosa mas a sociedade a entende e a aceita como normal, não considera aquilo como crime. O agente viola uma norma, mas a conduta é considerada normal pela sociedade. É o mesmo conceito do princípio da adequação social. 

  • *5 - Antinomia
É quando duas normas conflitantes incidem sobre um mesmo fato. É um conflito aparente de normas. Aparente porque na própria norma penal há a solução para o conflito ao se interpretar as normas que aparentemente se conflituam  e através disso encontrar qual será aproveitada. Quando se fala em solução de conflitos entre leis penais, fala-se em antinomia, que não pode se confundir com as hipóteses de conflito de leis penais no tempo, onde não há "aparentes conflitos' e sim confronto de sucessão de leis no tempo. Na antinomia, busca-se a solução através de 4 princípios: da especialidade, da subsidiariedade, da consunção e da alternatividade

Princípio da Especialidade: toda vez que houver um conflito entre lei especial e uma outra geral, o princípio da especialidade afasta a aplicação da lei geral e aplica-se ao caso concreto a lei penal especial, pois esta é especial em relação aquela. Ex: Se há incidentes para determinado fato uma lei de crimes hediondos e uma lei penal, aplica-se a lei específica dos crimes hediondos e não a lei penal que é mais geral. A lei de crimes hediondos foi especialmente criada para esses crimes. 

A lei especial, como clarifica Grispigni (1953, p. 504, apud Noronha 1991, p. 269), tem um ou mais requisitos (chamados especializantes), em virtudes dos quais é lógico que o especial tenha preferência na aplicação. Em virtude desse princípio, leciona Noronha (1991, p. 269) que o furto qualificado exclui o simples (...); o homicídio simples é excluído pelo privilegiado e pelo infanticídio

Princípio da Subsidiariedade: é quando na existência de uma norma mais grave se afasta a pena da norma menos grave. A norma principal prevalece sobre a norma subsidiária. Quando não for possível usar a norma principal, usa-se a norma subsidiária. 

O art. 132 do CP é um exemplo de norma subsidiária. 

Art.132: expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente: 
             Pena: detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. 

A norma do art. 132 é subsidiária e apenas será usada quando não for possível aplicar a norma de pena mais grave. Se o agente, pegando o exemplo do art. 132, expôs a saúde de alguém e essa exposição não produziu uma situação mais grave que ultrapassasse as fronteiras do art. 132, no qual é o perigo direto ou iminente, a pena utilizada seria a prescrita no seu preceito secundário (3 meses a 1 ano). Contudo, se através da exposição a vida de outrem a perigo houve a constituição de crime mais grave, por exemplo, resultou em uma enfermidade incurável (lesão corporal de natureza grave), seria aplicado a norma do art. 129, §2°, II: pena de reclusão de 2 a 8 anos. 

Outra norma que pode ser subsidiária é a do art. 148 do Código Penal:

Art. 148, caput: privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
                         Pena: reclusão, de um a três anos. 

Se houver extorsão mediante o sequestro, aplica-se as penas da norma do art. 159 CP que são muito mais graves e irão variar de acordo com os desdobramentos do crime. A norma do art. 148 é subsidiária pois foi abarcada, abrangida pela norma do art. 159, que é mais ampla e mais grave. 

*Princípio da Consunção: quando o crime fim absorve o crime meio, desde que esse crime meio seja utilizado para praticar o crime fim. Por exemplo: Matias Mattar quer matar Mota Morreus e ao encontrá-lo desfere-lhe muitas pauladas por todo o seu corpo, no braço, perna, queixo, cabeça, arranca dente etc. Matias Mattar quer produzir o resultado morte através das lesões e com o taco de Beisebol castiga impiedosamente o corpo de Mota Morreus, este que vem a falecer. Apesar de ter havido muitas lesões corporais no corpo de Mota e lesão corporal é crime e as lesões foram os meios utilizados por Matias para matar Mota, o crime de lesão corporal será absorvido pelo crime de homicídio, ou seja, Mattar matou Morreus e pelo princípio da consunção ele responderá apenas pelo crime mais grave de homicídio, ficando afastado o crime por lesões corporais, menos grave. Nessa situação não há concurso de crimes e consequente soma de penas porque o crime foi todo dentro de uma única vontade (morte) que orquestrou sua conduta (crime) contra um único bem jurídico (vida). 

Assim, o delito de lesão corporal é consumido pelo de homicídio (NORONHA, 1991, p. 269)

Concluindo com Noronha (1991, p. 269), na consunção, o crime consuntivo é como vértice da montanha que se alcança, passando pela encosta do crime consumido.

Princípio da Alternatividade: é aquele princípio que é aplicado nos crimes de ações múltiplas. São chamados de crimes polinucleares, um crime cometido através de vários atos. Quando uma única norma prevê uma multiplicidade de condutas e mesmo com múltiplas condutas é configurado um só crime. 

Exemplo da aplicação do princípio da alternatividade é:

Art. 33 da Lei 11.343/2006: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor a venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou desacordo com determinação legal ou regulamentar: 
                 Pena: reclusão de 5 a 15 anos. 

O art. 33 da citada lei arrola 18 diferentes tipos de condutas que podem ser praticadas pelo agente para ele ser submetido a pena do seu preceito secundário. Mesmo que o agente venha a praticar as 18 condutas nucleares acima descritas, responderá e será punido, pela interpretação através do princípio da alternatividade, por apenas uma conduta, estabelecendo-se apenas um único crime. 


Referências: 

JESUS, Damásio de. Direito penal - Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1994. In: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17. Ed. Rio De Janeiro: Impetus, 2015

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015. 

GRISPIGNI, Filipo. Le problème de l´unification de la peine et des mesures de suretè. In: Scuola Oisitiva. 1953. In: NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 1991

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva. 1991

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