30 de nov. de 2018

OAB - 2013.3 - XII - Segunda Fase - Direito Penal (APELAÇÃO)

FGV - 2013.3 - OAB - XII Exame de Ordem Unificado - Segunda Fase - Direito Penal

(Aplicada em 09/02/2014)

Rita, senhora de 60 anos, foi presa em flagrante no dia 10/11/2011 (quinta-feira) ao sair da filial de uma grande rede de farmácias após ter furtado cinco tintas de cabelo. Para subtrair os itens, Rita arrebentou a fechadura do armário onde estavam os referidos produtos, conforme imagens gravadas pelas câmeras de segurança do estabelecimento. O valor total dos itens furtados perfazia a quantia de R$49,95 (quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos).

Instaurado inquérito policial, as investigações seguiram normalmente. O Ministério Público, então, por entender haver indícios suficientes de autoria, provas da materialidade e justa causa, resolveu denunciar Rita pela prática da conduta descrita no Art. 155, § 4º, inciso I, do CP (furto qualificado pelo rompimento de obstáculo).

A denúncia foi regularmente recebida pelo juízo da 41ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado ‘X’ e a ré foi citada para responder à acusação, o que foi devidamente feito. O processo teve seu curso regular e, durante todo o tempo, a ré ficou em liberdade.

Na audiência de instrução e julgamento, realizada no dia 18/10/2012 (quinta-feira), o Ministério Público apresentou certidão cartorária apta a atestar que no dia 15/05/2012 (terça-feira) ocorrera o trânsito em julgado definitivo de sentença que condenava Rita pela prática do delito de estelionato. 

A ré, em seu interrogatório, exerceu o direito ao silêncio. As alegações finais foram orais; acusação e defesa manifestaram-se. Finda a instrução criminal, o magistrado proferiu sentença em audiência. 

Na dosimetria da pena, o magistrado entendeu por bem elevar a pena-base em patamar acima do mínimo, ao argumento de que o trânsito em julgado de outra sentença condenatória configurava maus antecedentes; na segunda fase da dosimetria da pena o magistrado também entendeu ser cabível a incidência da agravante da reincidência, levando em conta a data do trânsito em julgado definitivo da sentença de estelionato, bem como a data do cometimento do furto (ora objeto de julgamento); não verificando a incidência de nenhuma causa de aumento ou de diminuição, o magistrado fixou a pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão no regime inicial semiaberto e 80 (oitenta) dias-multa. O valor do dia-multa foi fixado no patamar mínimo legal. Por entender que a ré não atendia aos requisitos legais, o magistrado não substituiu a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Ao final, assegurou-se à ré o direito de recorrer em liberdade.

O advogado da ré deseja recorrer da decisão.

Atento ao caso narrado e levando em conta tão somente as informações contidas no texto, elabore o recurso cabível.





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Modelo da peça:


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 41ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO X 


Processo n. ...


Rita, já qualificada nos autos, por seu advogado infra-assinado, com procuração em anexo, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por não se conformar com a decisão de fls., interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com base no art. 593, I, do Código de Processo Penal. Assim, requer seja recebido e processado o presente recurso, já com as razões inclusas, remetendo-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado X. 

        Nestes termos, 
      
        Pede deferimento,

        Local ..., Data ...

        Advogado, OAB, n. ...




EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO X

APELANTE: Rita
APELADO: Ministério Público

Processo n. ...



RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO X
COLENDA CÂMARA

I- DOS FATOS

No dia 10.11.2011, Rita foi presa em flagrante por ter furtado de uma grande rede de farmácia cinco tintas de cabelo. Para realizar a subtração das tintas, a apelante arrebentou a fechadura do armário que estavam os itens. O valor total dos subtraídos foi de R$ 49,95. 

O Ministério Público ofereceu denúncia tipificando a conduta da acusada pelo crime de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo, previsto no art. 155, §4º, I, do Código Penal. 

A denúncia foi regularmente recebida, a apelada regularmente citada. O processo teve seu curso regular e a ré respondeu ao processo inteiro em liberdade. 

Na audiência de instrução e julgamento, no dia 18.10.2012, o Ministério Público apresentou certidão cartorária a qual atestava que no dia 15.05.2012 ocorrera o transito em julgado da sentença que condenou a apelada pelo crime de estelionato. 

Finda a instrução, o magistrado proferiu sentença em audiência. Na dosimetria da pena, o magistrado elevou a pena-base por entender que a sentença do crime de estelionato representava maus antecedentes, sendo que na segunda fase da dosimetria, reconheceu a agravante da reincidência levando-se em conta também a data do trânsito em julgado definitivo da sentença de estelionato. Por fim, fixou a pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão no regime inicial semiaberto e 80 (oitenta) dias-multa e não substituiu a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. No entanto, assegurou-se à ré o direito de recorrer em liberdade.

Eis uma apertada síntese. 


II- DO DIREITO

a) Do mérito

Nobres julgadores, a conduta da apelante encontra-se sob a incidência do princípio da insignificância. Sabe-se que para haver crime é necessário a tipicidade conglobante, qual seja, a combinação da tipicidade formal com a tipicidade material. 

A tipicidade formal é a subsunção perfeita da conduta do agente ao tipo penal. No caso, a conduta comissiva de subtrair coisa alheia para si formalmente amolda-se ao crime de furto. 

Nas esteiras do entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal, para haver tipicidade material é necessário a presença de certos fatores, tais como: a inexpressividade da lesão jurídica provocada, mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento. 

Neste sentido, se para haver crime é necessário a combinação da tipicidade formal com a material, uma conduta materialmente atípica deixa de ser crime, o que afasta, por conseguinte, a tipicidade penal. 

É o caso. Narram os autos que a apelante subtraiu, insta-se dizer que de uma grande rede de farmácias, bens cujo valor total foi de R$ 49,95. Tal valor diante do porte da empresa é irrisório, ou seja, não houve uma lesão jurídica ao bem tutelado que justifique a aplicação da lei penal e uma consequente condenação, pois o desfalque patrimonial foi irrisório. Além de que na conduta da ré não houve violência ou grave ameaça, não há nenhuma periculosidade social e a reprovabilidade do seu comportamento é mínimo. Imperioso reconhecer que o fato não constitui infração penal. 

Com efeito, requer a aplicação do princípio da insignificância e seja a apelante absolvida, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal. 

b) Da subsidiariedade 

Em rara hipótese dos nobres julgadores não reconhecerem a incidência do princípio da insignificância, necessário a reforma da sentença nos seguintes aspectos: 

b.1) dos maus antecedentes

magistrado se utilizou dos maus antecedentes para agravamento de pena já tendo se utilizado da reincidência para agravar a pena-base, o que configura bis in idem, nos termos da súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça. Nas esteiras da referida súmula, a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial. 


Logo, com base na súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça, requer, seja afastado o agravamento de pena por maus antecedentes.

b.2) da reincidência

O art. 63, do Código Penal aduz que verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Ou seja, o Código Penal estabelece que a reincidência se configura quando o agente comete novo crime depois do trânsito em julgado de condenação anterior. 

Nobres julgadores, o crime cometido pela apelante ocorrera no dia 10.11.2011, e o transito em julgado da sentença pelo crime de estelionato se deu em 15.05.2012, não podendo tal sentença ser utilizada como motivo para reconhecer reincidência, nos termos do art. 63, do Código Penal. 

Requer, portanto, seja afastado o agravamento da pena pela reincidência, e seja aplicada a pena em sua forma mínima, qual seja, 02 anos de reclusão. 

b.3) do furto privilegiado 

A ré fora condenada por furto qualificado pelo rompimento de obstáculo, e os bens subtraídos foram de pequeno valor, totalizando R$ 49,95. Dessa forma, caso não seja reconhecido a incidência do princípio da insignificância, imperioso seja reconhecido o furto privilegiado, nos termos do §2º, do art. 155, do Código Penal, pois a ré é primária e foi de pequeno valor a coisa furtada. 

Ainda que a apelante tenha praticado furto qualificado, a qualificadora de rompimento de obstáculo é de natureza objetiva, sendo que a súmula 511 do Superior Tribunal de Justiça legitima o furto privilegiado se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora de ordem objetiva. 

Requer, portanto, seja reconhecido o furto privilegiado, nos termos do art. 155, §2º, do Código Penal.

b.4) da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito

O crime cometido pela apelante foi sem violência ou grave ameaça e a pena aplicada há de ser em seu mínimo legal. O art. 44, inciso I, do Código Penal aduz que as penas restritivas de direito substituem as penas privativas de liberdade quando aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. 

Dessa forma, requer a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos termos do art. 44, inciso I, do Código Penal.

b.5) do regime inicial do cumprimento de pena

De acordo com o exposto supra, deve-se ser afastada a utilização da reincidência e dos maus antecedentes para o agravamento da pena-base. Dessa forma, a pena a ser aplicada a apelante deve ser na sua forma mínima, qual seja, 02 anos de reclusão, nos termos do art. 155, §4º, I, do Código Penal.

O art. 33, §2º, c), do Código Penal dispõe que o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. Ou seja, o regime de cumprimento de pena a ser aplicado à apelante há de ser o aberto. Para a imposição de regime mais gravoso, é necessário motivação idônea, nas esteiras da súmula 719 do Supremo Tribunal Federal. 


Dessa forma, requer seja o regime de cumprimento de pena o aberto, nos termos do art. 33, §2º, c, do Código Penal, c/c a súmula 719 do Supremo Tribunal Federal.

b.6) da multa

A magistrado fixou a pena de multa em 80 dias-multa. No entanto, por tudo explanado supra, requer seja aplicado os dias-multa em seu mínimo, ou seja, 10 dias-multa, nos termos do art. 49, do Código Penal. 

III- DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer seja REFORMADA  a sentença de 1º grau, com o consequente PROVIMENTO deste recurso, a fim de que: 

a) seja a apelante ABSOLVIDA, pois os fatos não constituem infração penal, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, diante da incidência do Princípio da Insignificância.

Subsidiariamente se requer: 

b) seja a pena aplicada em seu mínimo legal, diante do afastamento do agravamento da pena pelos maus antecedentes, nos termos da súmula 241 do Superior Tribunal de Justiça.

c)  seja a pena aplicada em seu mínimo legal, diante do afastamento do agravamento da pena pela reincidência, nos termos do art. 63 do Código Penal. 

d) seja reconhecido o furto privilegiado, com a aplicação do disposto no art. 155, §2º, do Código Penal. 

e) seja substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, inciso I, do Código Penal.

f) seja aplicado o regime aberto de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, §2º, c, do Código Penal, c/c súmula 719 do Supremo Tribunal Federal.

g) seja os dias-multa aplicado em seu mínimo legal, ou seja, 10 dias-multa, nos termos do art. 49 do Código Penal

Nestes termos, 

Pede deferimento,

Local ... Data ... 

Advogado, OAB n. ... 

4 comentários:

  1. Por ser furto qualificado (pelo rompimento de obstáculo) seria inviável a aplicação do princípio da insignificância, não? Estou em dúvida quanto a isso, se alguém puder me explicar por favor. Obrigada

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    1. Acho que sim, além do mais, a ré é reincidente

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    2. o STF tem entendimento de que não se aplica o princípio da insignificância em furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (“não tem pertinência o princípio da insignificância em crime de furto qualificado cometido mediante rompimento de obstáculo” - HC 121.760, Relª. Minª. Rosa Weber).

      No entanto, no sentido de defesa, como advogado, é importante trazer todas as teses possíveis ao defender o agente, e a tese do crime de bagatela seria uma.

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