12 de dez. de 2018

OAB - QUESTÕES OBJETIVAS DE D. PENAL - XXV Exame de Ordem Unificado (2018.1)

FGV - Prova aplicada em 10/06/2018

Questão 1

Lucas, jovem de 22 anos, primário, foi denunciado pela prática do crime de extorsão simples, tendo o magistrado, em 05/05/2016, recebido a denúncia e decretado a prisão preventiva do acusado. Cumprido o mandado de prisão no dia seguinte, Lucas permaneceu acautelado durante toda a instrução de seu processo, vindo a ser condenado, em 24 de janeiro de 2017, à pena de 04 anos e 03 meses de reclusão, além de 12 dias-multa, sendo certo que o aumento da pena-base foi fundamentado de maneira correta pelo magistrado em razão das circunstâncias do crime. Foi, ainda, aplicado o regime semiaberto para início do cumprimento da sanção, exclusivamente diante do quantum de pena aplicada, e o valor do dia-multa foi fixado em 3 vezes o salário mínimo, em razão das circunstâncias do fato.  

Apesar de não se opor à condenação, nem à pena aplicada, Lucas, ainda preso, pergunta a seu advogado sobre a possibilidade de recurso para aplicação de regime de cumprimento de pena menos gravoso, ainda que mantido o quantum de pena. Também informa ao patrono que não tem condições de arcar com a multa aplicada, pois mora em comunidade carente e recebia, antes dos fatos, remuneração de meio salário mínimo pela prestação de serviços informais.  


Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado de Lucas, responda aos itens a seguir. 


A) Qual o argumento a ser formulado em sede de recurso para alteração do regime prisional de início de cumprimento de pena aplicado, mantida a pena final em 04 anos e 03 meses de reclusão? Justifique. (Valor: 0,65)


B) Qual argumento a ser apresentado em sede de recurso em busca da redução do valor do dia-multa aplicado? Justifique. (Valor: 0,60) 


Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.


Padrão de Resposta FGV

A) O argumento a ser apresentado pela defesa de Lucas é que o período de pena provisória cumprido deverá ser computado para aplicação do regime inicial do cumprimento de pena, nos termos do Art. 387, § 2º do Código de Processo Penal, de modo que o regime a ser fixado é o aberto. De início, destaca-se que a questão não apresentava elementos suficientes para justificar um pedido de redução de pena, de modo que a pena final aplicada fosse de até 04 anos e permitisse a aplicação do regime aberto. Ademais, o próprio enunciado da questão requer que o patrono de Lucas apresente argumento para alteração do regime ainda que mantida a pena de 04 anos e 03 meses de reclusão. Em princípio, estabelece o Art. 33, § 2º, alínea b, do Código Penal, que cabível o regime semiaberto ao condenado não reincidente, quando a pena aplicada for superior a 04 anos ou não exceda a oito, como é a situação de Lucas. Ao mesmo tempo, estabelece o Art. 42 do Código Penal que será computado, na pena privativa de liberdade, o tempo de prisão provisória, disciplinando, assim, o instituto conhecido como detração. Outrossim, o Art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei nº 12.736/12, prevê expressamente que o tempo de prisão provisória será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. No caso, Lucas ficou preso por período superior a 08 meses, período esse que deve ser computado como pena cumprida, na forma da detração, para determinação do regime inicial. Assim, considerando os oitos meses apenas para fins de aplicação do regime inicial, seria possível a aplicação do regime aberto.  


B) Na sentença condenatória, entendeu o magistrado que os dias-multa deveriam ser fixados no valor de 3 vezes o salário mínimo em razão das circunstâncias do fato. Ocorre que é pacificado o entendimento jurisprudencial, em especial diante da previsão do Art. 60 do Código Penal, que o critério para fixação do VALOR do dia-multa será o da capacidade econômica do réu. Na situação apresentada, Lucas era pessoa humilde, que recebia, antes da prisão, remuneração de meio salário mínimo em razão da prestação de serviços informais, logo não se justifica o fundamento apresentado pelo magistrado para fixação do valor do dia-multa. 


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Questão 2
Rodrigo, pela primeira vez envolvido com o aparato judicial, foi condenado definitivamente, pela prática do crime de rixa, ao pagamento de pena exclusivamente de multa. Para pensar sobre as consequências de seu ato, vai para local que acredita ser deserto, onde há uma linda lagoa. Ao chegar ao local, após longa caminhada, depara-se com uma criança, sozinha, banhando-se, mas verifica que ela tem dificuldades para deixar a água e, então, começa a se afogar.  

Apesar de ter conhecimento sobre a situação da criança, Rodrigo nada faz, pois não sabia nadar, logo acreditando que não era possível prestar assistência sem risco pessoal. Ao mesmo tempo, o local era isolado e não havia autoridades públicas nas proximidades, além de Rodrigo estar sem celular ou outro meio de comunicação para avisar sobre a situação. Cerca de 10 minutos depois, chega ao local Marcus, que, ao ver o corpo da criança na lagoa, entra na água e retira a criança já falecida. Nesse momento, Rodrigo verifica que a lagoa não era profunda e que a água bateria na altura de sua cintura, não havendo risco pessoal para a prestação da assistência.  

Após a perícia constatar a profundidade da lagoa, Rodrigo é denunciado pela prática do crime previsto no Art. 135, parágrafo único, do Código Penal. Não houve composição dos danos civis, e o Ministério Público não ofereceu proposta de transação penal, sob o argumento de que havia vedação legal diante da condenação de Rodrigo pela prática do crime de rixa. 

Considerando apenas as informações narradas, responda, na condição de advogado(a) de Rodrigo, aos itens a seguir.

A) Existe argumento a ser apresentado pela defesa para combater o fundamento utilizado pelo Ministério Público para não oferecer proposta de transação penal? Justifique. (Valor: 0,60) 

B) Qual argumento de direito material poderia ser apresentado em busca da absolvição do denunciado? Justifique. (Valor: 0,65) 

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Sim, existe argumento. Inicialmente deve ser destacado que o delito imputado a Rodrigo, ainda que considerando a aplicação da pena de maneira triplificada em razão do resultado morte, é de menor potencial ofensivo. Prevê o Art. 76 da Lei 9.099/95 que o Ministério Público poderá oferecer proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, caso não haja composição dos danos e não seja hipótese de arquivamento. Todavia, o próprio Art. 76, em seu parágrafo 2º, traz hipóteses em que a proposta de transação penal não poderá ser realizada. O inciso I do dispositivo mencionado afirma que não caberá a proposta quando o autor da infração já tiver sido condenado, pela prática de crime, por sentença definitiva, à pena privativa de liberdade. Na hipótese apresentada, Rodrigo possuía condenação anterior com trânsito em julgado, mas apenas ao cumprimento de pena de multa e não pena privativa de liberdade. Assim, não há vedação legal, podendo o Ministério Público oferecer proposta de transação penal. 

B) Rodrigo deve ser absolvido pois sua omissão ocorreu em erro de tipo. Para configuração do delito de omissão de socorro, previsto no Art. 135 do Código Penal, é preciso que a omissão tenha ocorrido quando era possível ao agente prestar assistência sem risco pessoal. Rodrigo somente não agiu porque acreditava que existia risco para si, já que não sabia nadar e a criança estava se afogando na lagoa. Em que pese a lagoa fosse rasa e não apresentasse risco para Rodrigo, ele não tinha conhecimento de tal situação, logo agiu em erro sobre a elementar “sem risco pessoal”. Havendo erro sobre elementar do tipo, a consequência é o afastamento do dolo, somente podendo o agente ser responsabilizado se o erro for evitável e prevista a modalidade culposa do delito, nos termos do Art. 20 do Código Penal. No caso, o crime do Art. 135 do Código Penal não traz a modalidade culposa, logo o fato é atípico. 


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Questão 3
Na cidade de Goiânia funciona a boate Noite Cheia, onde ocorrem shows de música ao vivo toda sexta-feira. Em razão da grande quantidade de frequentadores, os proprietários João e Maria estabeleceram que somente poderia ingressar na boate aquele que colocasse o nome na lista de convidados, até 24 horas antes do evento.  Em determinada sexta-feira, Eduardo, morador de São Paulo, comparece ao local com a intenção de assistir ao show, mas foi informado sobre a impossibilidade de ingresso, já que seu nome não constava na lista. 

Pretendendo ingressar ainda assim, Eduardo ofereceu vantagem indevida, qual seja, R$ 500,00, a Natan, integrante da segurança privada do evento, em troca de este permitir seu ingresso no local sem que os proprietários soubessem. Ocorre que a conduta foi filmada pelas câmeras de segurança e, de imediato, Natan recusou a vantagem, sendo Eduardo encaminhado à Delegacia mais próxima.  

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Eduardo pela prática do crime de corrupção ativa consumada, previsto no Art. 333 do Código Penal. Durante a instrução, foi expedida carta precatória para determinada cidade de Minas Gerais, para oitiva de Natan, única testemunha, tendo em vista a mudança de endereço residencial do antigo segurança do estabelecimento, não sendo a defesa de Eduardo intimada do ato, uma vez que consta expressamente do Código de Processo Penal que a expedição de carta precatória não suspende o feito. Após o interrogatório, a defesa de Eduardo é intimada a apresentar alegações finais.  

Considerando as informações narradas, na condição de advogado(a) de Eduardo, responda aos itens a seguir. 

A) Para questionar a prova testemunhal produzida durante a instrução, qual o argumento de direito processual a ser apresentado pela defesa? Justifique. (Valor: 0,65) 

B) Em busca da absolvição de Eduardo pelo delito imputado, qual o argumento de direito material a ser apresentado? Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 

Padrão de Resposta FGV
A) O advogado de Eduardo deve alegar que ocorreu cerceamento de defesa, havendo violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que não houve intimação em relação à expedição da carta precatória, conforme determina o CPP, que prevê expressamente, em seu Art. 222, que as partes deverão ser intimadas. De fato, conforme consta do enunciado, a expedição de carta precatória, de acordo com o Art. 222, § 1º, do CPP, não gera suspensão do processo. Todavia, essa informação não se confunde com a necessidade de intimação da defesa em relação à expedição. A jurisprudência admite que não ocorra intimação da defesa em relação à data da audiência a ser realizada no juízo deprecado somente no caso de ter ocorrido a devida intimação em relação à expedição da carta precatória, nos termos da Súmula 273 do Superior Tribunal de Justiça, o que não ocorreu na hipótese. 

B) O argumento a ser apresentado é o de que, apesar de Eduardo ter oferecido vantagem indevida para o segurança do estabelecimento para que ele não praticasse ato de seu ofício, não há que se falar em crime de corrupção ativa. O crime de corrupção ativa, previsto no Art. 333 do Código Penal, é crime praticado por particular contra a Administração Pública em Geral. Ocorre que, no caso, a vantagem foi oferecida para particular e não funcionário público, logo o fato é atípico. 


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Questão 4
Vitor, 23 anos, decide emprestar sua motocicleta, que é seu instrumento de trabalho, para seu pai, Francisco, 45 anos, por um mês, já que este se encontrava em dificuldade financeira. Após o prazo do empréstimo, Vitor, que não residia com Francisco, solicitou a devolução da motocicleta, mas este se recusou a devolver e passou a atuar como se proprietário do bem fosse, inclusive anunciando sua venda.  

Diante do registro dos fatos em sede policial, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Francisco, imputando-lhe a prática do crime previsto no Art. 168, § 1º, inciso II, do Código Penal.  

Após a confirmação dos fatos em juízo e a juntada da Folha de Antecedentes Criminais sem qualquer outra anotação, o magistrado julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva, afastando a causa de aumento, mas condenando Francisco, pela prática do crime de apropriação indébita simples, à pena mínima prevista para o delito em questão (01 ano), substituindo a pena privativa de liberdade por restritiva de direito.  

Considerando apenas as informações narradas no enunciado, na condição de advogado(a) de Francisco, responda aos itens a seguir.

A) Para combater a decisão do magistrado, que, após afastar a causa de aumento, imediatamente decidiu por condenar o réu pela prática do crime de apropriação indébita simples, qual argumento de direito processual poderia ser apresentado? Justifique. (Valor: 0,60)

B) Qual argumento de direito material, em sede de apelação, poderia ser apresentado em busca de evitar a punição de Francisco? Justifique. (Valor: 0,65)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 

Padrão de Resposta FGV
A) O argumento de direito processual a ser apresentado seria no sentido de que não poderia o magistrado, de imediato, condenar o réu pela prática do crime de apropriação indébita simples, tendo em vista que com o afastamento da causa de aumento, a pena mínima prevista para o delito do Art. 168, caput, do Código Penal admite o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo, de modo que deveria o magistrado ter encaminhado os autos ao Ministério Público para manifestação sobre o previsto no Art. 89 da Lei nº 9.099/95. Ressalta-se que todos os demais requesitos previstos no dispositivo estão preenchidos, já que Francisco era primário, de bons antecedentes e as circunstâncias do crime eram favoráveis. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 337, prevê expressamente que é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime ou na procedência parcial do pedido. 

B) O argumento de direito material a ser apresentado em busca de evitar a punição de Francisco é da aplicação da previsões do Art. 181, inciso II, do Código Penal, que traz o instituto conhecido como escusa absolutória. Em que pese a conduta praticada por Francisco abstratamente se adeque as previsões do Art. 168, caput, do Código Penal, de acordo com o dispositivo antes mencionado, é isento de pena quem comete crime previsto no título contra descendente, sendo certo que nenhuma das exceções trazidas pelo Art. 183 do Código Penal ocorreu. Assim, em sendo o autor do fato pai da vítima e não havendo violência ou grave ameaça à pessoa, é ele isento de pena, não podendo ser criminalmente punido. 

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