27 de nov. de 2018

OAB - FGV 2010.3 - III - Segunda Fase - Direito Penal (RESE)

FGV 2010.3 - OAB - III Exame de Ordem Unificado - Segunda Fase - Direito Penal

(Aplicada em 01/02/2011)

No dia 17 de junho de 2010, uma criança recém-nascida é vista boiando em um córrego e, ao ser resgatada, não possuía mais vida. Helena, a mãe da criança, foi localizada e negou que houvesse jogado a vítima no córrego. Sua filha teria sido, segundo ela, sequestrada por um desconhecido. 

Durante a fase de inquérito, testemunhas afirmaram que a mãe apresentava quadro de profunda depressão no momento e logo após o parto. Além disso, foi realizado exame médico legal, o qual constatou que Helena, quando do fato, estava sob influência de estado puerperal. 

À míngua de provas que confirmassem a autoria, mas desconfiado de que a mãe da criança pudesse estar envolvida no fato, a autoridade policial representou pela decretação de interceptação telefônica da linha de telefone móvel usado pela mãe, medida que foi decretada pelo juiz competente. A prova constatou que a mãe efetivamente praticara o fato, pois, em conversa telefônica com uma conhecida, de nome Lia, ela afirmara ter atirado a criança ao córrego, por desespero, mas que estava arrependida. 

O delegado intimou Lia para ser ouvida, tendo ela confirmado, em sede policial, que Helena de fato havia atirado a criança, logo após o parto, no córrego. Em razão das aludidas provas, a mãe da criança foi então denunciada pela prática do crime descrito no art. 123 do Código Penal perante a 1ª Vara Criminal (Tribunal do Júri). Durante a ação penal, é juntado aos autos o laudo de necropsia realizada no corpo da criança. A prova técnica concluiu que a criança já nascera morta. 

Na audiência de instrução, realizada no dia 12 de agosto de 2010, Lia é novamente inquirida, ocasião em que confirmou ter a denunciada, em conversa telefônica, admitido ter jogado o corpo da criança no córrego. A mesma testemunha, no entanto, trouxe nova informação, que não mencionara quando ouvida na fase inquisitorial. Disse que, em outras conversas que tivera com a mãe da criança, Helena contara que tomara substância abortiva, pois não poderia, de jeito nenhum, criar o filho. Interrogada, a denunciada negou todos os fatos. 

Finda a instrução, o Ministério Público manifestou-se pela pronúncia, nos termos da denúncia, e a defesa, pela impronúncia, com base no interrogatório da acusada, que negara todos os fatos. O magistrado, na mesma audiência, prolatou sentença de pronúncia, não nos termos da denúncia, e sim pela prática do crime descrito no art. 124 do Código Penal, punido menos severamente do que aquele previsto no art. 123 do mesmo código, intimando as partes no referido ato. 

Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso concreto acima, na condição de advogado(a) de Helena,  redija a peça cabível à impugnação da mencionada decisão, acompanhada das razões pertinentes, as quais devem apontar os argumentos para o provimento do recurso, mesmo que em caráter sucessivo.



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Modelo da peça:


EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DO JURI DA COMARCA DE ... 

Processo n. ...

HELENA, já qualificada nos autos em epígrafe, através de seu advogado infra-assinado, com procuração anexa, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por não se conformar com a decisão de fl. ..., interpor o presente RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, nos termos do art. 581, IV, do Código de Processo Penal

Neste ensejo, requer seja recebido o recurso e procedido o juízo de retratação, nos termos do art. 589, do Código de Processo Penal. Se mantida a decisão, requer seja o recurso encaminhado ao Tribunal de Justiça, com as razões já inclusas, para o seu devido processamento. 

        Nestes termos, 
      
        Pede deferimento,

        Local ..., data ...

        Advogado, OAB, n. ...



EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

Recorrente: Helena
Recorrido: Justiça Pública

Processo n. ...


RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

Egrégio Tribunal de Justiça
Colenda Câmara

I- DOS FATOS

No dia 17 de junho de 2010, uma criança recém-nascida é vista boiando em um córrego e, ao ser resgatada, não possuía mais vida. 

A autoridade policial representou pela decretação de interceptação telefônica da linha de telefone móvel de Helena. 

O Ministério Público denunciou a recorrente pela prática do crime previsto no art. 123 do Código Penal. 

Durante a ação penal foi juntado aos autos o laudo de necropsia realizado no corpo da criança. A prova técnica concluiu que a criança já nascera morta. 

Durante a instrução, a testemunha Lia trouxe nova informação, que não mencionara quando ouvida na fase inquisitorial. Disse, em outras palavras que tivera com a mãe da criança, Helena contou que tomou substância abortiva. 

Interrogada, a recorrente negou os fatos. 

Encerrada a instrução, o magistrado prolatou sentença de pronúncia, pronunciando a recorrente pela prática do crime previsto no art. 124 do Código Penal. 

II- DO DIREITO

A) DAS PRELIMINARES 

A.1) Da nulidade da sentença de pronúncia

O Ministério Público ofereceu denúncia contra a recorrente pela prática do delito previsto no art. 123 do Código Penal. O Magistrado proferiu decisão pronunciando a recorrente pela prática do art. 124 do Código Penal. Todavia, a decisão de pronúncia deve ser anulada. 

Conforme se observa nos autos, a testemunha Lia trouxe nova informação, que não consta na denúncia, no sentido de que a recorrente teria contado que ingeriu substância abortiva, razão pela qual o Magistrado proferiu decisão de pronúncia pela prática do crime previsto no art. 124 do Código Penal. 

Todavia, o Magistrado violou o disposto no art. 411, §3º, do Código de Processo Penal, c/c o art. 384 do Código de Processo Penal, já que, tendo em vista o surgimento de fato novo durante a instrução criminal, deveria ter concedido vista para o Ministério Público aditar a denúncia, nos termos do art. 384 do Código de Processo Penal. 

Logo, deve ser declarada a nulidade da decisão de pronúncia. 

A.2) Da prova ilícita

A autoridade policial representou pela interceptação telefônica, o que foi deferido pelo Magistrado. Todavia, trata-s de prova ilícita. 

O crime de infanticídio, previsto no art. 123 do Código Penal, é apenado com detenção. Todavia, nos termos do art. 2º, III, da Lei n. 9.296/96, somente é admitida a interceptação telefônica se o fato investigado constituir infração penal apenada com reclusão. Além disso, o crime de aborto, previsto no art. 124 do Código Penal, também é apenado com detenção. Logo, trata-se de prova ilícita. 

Além disso, a autoridade policial representou pela interceptação telefônica porque "estava desconfiado" de que a recorrente estaria envolvida na morte da criança. Logo, não poderia ser admitida a interceptação telefônica, porque não havia indícios razoáveis da autoria ou participação da recorrente na morte a criança, nos termos do art. 2º, I, da lei n. 9.296/96. 

Por fim, a autoridade policial não esgotou todos os meios de investigação antes de representar pela interceptação telefônica, violando o disposto no art. 2º, II, da Lei n. 9.296/96. 

Logo, a interceptação telefônica se trata de prova ilícita, devendo ser desentranhada dos autos, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal.

A.3) Da prova ilícita por derivação

A autoridade policial tomou conhecimento da testemunha Lia a partir da interceptação telefônica ilícita. Logo, o testemunho de Lia se trata de prova ilícita por derivação, devendo ser desentranhada dos autos, nos termos do art. 157, §1º, do Código de Processo Penal. 

B) DO MÉRITO

B.1) Da materialidade

Durante a ação penal, foi juntado aos autos laudo de necropsia realizado no corpo da criança. A prova técnica concluiu que a criança já nascera morta. Todavia, não há prova da materialidade do crime de aborto, uma vez que a perícia não apontou que a criança faleceu em decorrência de eventual ingestão de substância abortiva. 

Logo, a recorrente deverá ser absolvida sumariamente, nos termos do art. 415, I, do Código de Processo Penal, ou sucessivamente, ser impronunciada, nos termos do art. 414 do Código de Processo Penal. 

B.2) Da autoria

A recorrente sempre negou todos os fatos. O magistrado se baseou na interceptação telefônica e no testemunho de Lia para proferir a sentença de pronúncia. 

Todavia, conforme referido acima, a interceptação telefônica e a testemunha são provas ilícitas, devendo ser desentranhadas dos autos, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal. 

Assim, não havendo mais nenhum elemento de prova acerca da autoria, deveria o Magistrado proferir sentença de impronúncia ou de absolvição sumária. 

Logo, a recorrente requer seja reformada a decisão para o fim de que seja proferida decisão de absolvição sumária ou, sucessivamente, de impronúncia. 

III- DO PEDIDO

Ante o exposto, requer seja conhecido e provido o presente recurso, com a REFORMA DA DECISÃO DE 1º GRAU, para o fim de que:


a) seja declarada a nulidade da decisão de pronúncia; 

b) seja declarada a ilicitude e nulidade da interceptação telefônica, devendo ser desentranhada dos autos, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal. 

c) seja declarada a ilicitude e nulidade do testemunho de Lia, porque se trata de prova ilícita por derivação, devendo ser desentranhada dos autos, nos termos do art. 157, §1º, do Código de Processo Penal.

d) seja a recorrente absolvida sumariamente, com base no art. 415, II, do Código de Processo Penal.

e) seja a recorrente impronunciada, nos termos do art. 414 do Código de Processo Penal.



Local ..., data ...

Advogado. OAB n. ... 




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Referência
AHMAD, Nidal; SILVA, Ivan Luís Marques da. Passe na OAB: 2ª fase FGV. 2 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 192/196. (completaço / coordenação de Marcelo Hugo da Rocha)

Um comentário:

  1. Muito obrigado, Dr., pela ajuda, creio que essa postagem ajudou a muitos. Antônio Gonçalves - de Belém do Pará.

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