12 de dez. de 2018

OAB - QUESTÕES OBJETIVAS DE D. PENAL - XXII Exame de Ordem Unificado (2017.1)

FGV - Prova aplicada em 28/05/2017

Questão 1
Chegou ao Ministério Público denúncia de pessoa identificada apontando Cássio como traficante de drogas. Com base nessa informação, entendendo haver indícios de autoria e não havendo outra forma de obter prova do crime, a autoridade policial representou pela interceptação da linha telefônica que seria utilizada por Cássio e que fora mencionada na denúncia recebida, tendo o juiz da comarca deferido a medida pelo prazo inicial de 30 dias.  Nas conversas ouvidas, ficou certo que Cássio havia adquirido certa quantidade de cocaína, pela primeira vez, para ser consumida por ele, juntamente com seus amigos Pedro e Paulo, na comemoração de seu aniversário, no dia seguinte. Diante dessa prova, policiais militares obtiveram ordem judicial e chegaram à casa de Cássio quando este consumia e oferecia a seus amigos os seis papelotes de cocaína para juntos consumirem. Cássio, portador de maus antecedentes, foi preso em flagrante e autuado pela prática do crime de tráfico, sendo, depois, denunciado como incurso nas penas do Art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06. 

Considerando os fatos narrados, responda, na qualidade de advogado(a) de Cássio, aos itens a seguir.

A)  Qual a tese de direito processual a ser suscitada para afastar a validade da prova obtida? (Valor: 0,65) 

B)  Reconhecidos como verdadeiros os fatos narrados, qual a tese de direito material a ser alegada para tornar menos gravosa a tipificação da conduta de Cássio? (Valor: 0,60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 

Padrão de Resposta FGV
A questão exige do examinando conhecimento sobre os delitos tipificados na Lei nº 11.343/06, além dos requisitos para decretação válida de interceptação telefônica. 

A) A tese de direito processual a ser suscitada para defesa de Cássio para afastar a prova obtida é a invalidade da decisão que determinou a interceptação telefônica de Cássio, tendo em vista que, de início, foi determinada pelo prazo de 30 dias. Inicialmente deve ser destacado que a autoridade policial possui legitimidade para representar pela decretação da interceptação de comunicações telefônicas, nos termos do Art. 3º, inciso I, da Lei nº 9.296/96. Ademais, o crime investigado é punido com pena de reclusão e consta do enunciado que a prova não poderia ser obtida por outros meios disponíveis. Todavia, prevê o Art. 5º do mesmo diploma legal que a decisão que concede a medida deverá ser fundamentada e que não poderá exceder o prazo de 15 dias, renovável por igual período se comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Diante disso, ainda que possa o período de 15 dias ser renovado, não pode, de início, a autoridade judicial determinar a interceptação por mais de 15 dias, sob pena de nulidade.


B) A tese de direito material a ser alegada para tornar a conduta de Cássio menos gravosa é que foi praticado o delito previsto no Art. 33, § 3º da Lei nº 11.343/06, já que o agente oferecia drogas, de maneira eventual, sem objetivo de lucro, para seus amigos para juntos consumirem. Não há, assim, que se falar em prática de tráfico do Art. 33 da Lei nº 11.343/06 e nem mesmo na aplicação do §4º do mesmo dispositivo, já que o agente era portador de maus antecedentes.


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Questão 2
Em inquérito policial, Antônio é indiciado pela prática de crime de estupro de vulnerável, figurando como vítima Joana, filha da grande amiga da Promotora de Justiça Carla, que, inclusive, aconselhou a família sobre como agir diante do ocorrido. 

Segundo consta do inquérito, Antônio encontrou Joana durante uma festa de música eletrônica e, após conversa em que Joana afirmara que cursava a Faculdade de Direito, foram para um motel onde mantiveram relações sexuais, vindo Antônio, posteriormente, a tomar conhecimento de que Joana tinha apenas 13 anos de idade. 

Recebido o inquérito concluído, Carla oferece denúncia em face de Antônio, imputando-lhe a prática do crime previsto no Art. 217-A do Código Penal, ressaltando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, para a configuração do delito, não se deve analisar o passado da vítima, bastando que a mesma seja menor de 14 anos.  

Considerando a situação narrada, na condição de advogado(a) de Antônio, responda aos itens a seguir.

A) Existe alguma medida a ser apresentada pela defesa técnica para impedir Carla de participar do processo? Justifique. (Valor: 0,60) 

B) Qual a principal alegação defensiva de direito material a ser apresentada em busca da absolvição do denunciado? Justifique.(Valor: 0,65) 

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Sim, o advogado de Antônio, já no momento de apresentar resposta à acusação, deveria apresentar exceção de suspeição em face da Promotora de Justiça, tendo em vista a presença da causa de suspeição prevista no Art. 254, incisos I e IV, do Código de Processo Penal (CPP). Prevê o dispositivo em questão que o juiz dar-se-á por suspeito quando for amigo íntimo de alguma das partes ou quando tiver aconselhado uma das partes. Carla é muito amiga da genitora da vítima e ainda aconselhou a ofendida e sua família sobre como agir diante do ocorrido. Ademais, o Art. 258 do CPP estabelece que as previsões referentes às causas de impedimento e suspeição do magistrado são aplicáveis, no que couber, ao Ministério Público. Claro está o envolvimento de Carla com a causa, de modo que sua suspeição deve ser reconhecida. Considerando que a mesma não se declarou suspeita, oferecendo denúncia, caberia ao advogado apresentar exceção de suspeição, nos termos do Art. 95, inciso I, do CPP, e do Art. 104 do CPP.  


B) A principal alegação defensiva, de mérito, de direito material, é a de que houve erro de tipo por parte do denunciado, nos termos do Art. 20 do Código Penal, de modo que fica afastado o seu dolo. Diante da situação apresentada, claro está que Antônio não tinha conhecimento que Joana tinha apenas 13 anos de idade, merecendo destaque as partes se conheceram em uma festa de música eletrônica, ocasião em que a ofendida afirmara estar na faculdade, o que, por si só, já afastaria as suspeitas de que fosse menor de 14 anos. Ainda que se entendesse que o erro foi vencível, não poderia Antônio ser responsabilizado, tendo em vista que esse afasta o dolo e não há previsão de responsabilização culposa pelo crime de estupro de vulnerável. No caso, é irrelevante a posição dos Tribunais Superiores no sentido de que o passado sexual da vítima não deve ser analisado, bastando que a mesma tenha, objetivamente, menos de 14 anos de idade. Ocorre que o problema apresentado em nada com esse tema se confunde, já que sequer sabia o réu a idade da vítima, que é uma das elementares do tipo. 


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Questão 3
Na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Maurício iniciou a execução de determinada contravenção penal que visava atingir e gerar prejuízo em detrimento de patrimônio de entidade autárquica federal, mas a infração penal não veio a se consumar por circunstâncias alheias à sua vontade. 

Ao tomar conhecimento dos fatos, o Ministério Público dá início a procedimento criminal perante juízo do Tribunal Regional Federal com competência para atuar no local dos fatos, imputando ao agente a prática da contravenção penal em sua modalidade tentada, oferecendo, desde já, proposta de transação penal. 

Maurício conversa com sua família e procura um(a) advogado(a) para patrocinar seus interesses, destacando que não tem interesse em aceitar transação penal, suspensão condicional do processo ou qualquer outro benefício despenalizador.

Com base apenas nas informações narradas e na condição de advogado(a) de Maurício, responda: 

A) Considerando que a contravenção penal causaria prejuízo ao patrimônio de entidade autárquica federal, o órgão perante o qual o procedimento criminal foi iniciado é competente para julgamento da infração penal imputada? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Qual argumento de direito material deverá ser apresentado para evitar a punição de Maurício? Justifique. (Valor: 0,60) 

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Apesar de a contravenção penal causar prejuízo ao patrimônio de autarquia federal, a Justiça Federal não é competente para julgar a infração penal, tendo em vista que o Art. 109, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil prevê expressamente que a Justiça Federal terá competência para julgar infrações penais patricadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União e de suas entidades autárquicas e empresas públicas, excluídas as contravenções penais. Diferente da regra geral, as contravenções penais, ainda que nas circunstâncias do dispositivo acima mencionado, devem ser julgadas perante a Justiça Estadual,  no caso, Juizado Especial Criminal Estadual. 

B) Apesar de Maurício ter iniciado a execução de uma contravenção penal e a mesma não ter se consumado por circunstâncias alheias à vontade do agente, o que, em tese, configura tentativa, que, pela regra do Código Penal, impõe a punição pelo crime pretendido com redução de pena, na hipótese apresentada, a infração penal que não restou consumada foi uma contravenção. Nos termos do previsto no Art. 4º do Decreto-Lei 3.688/41, não se pune a tentativa de contravenção penal. Assim, no momento em que Maurício não conseguiu consumar o delito por circunstâncias alheias à sua vontade, sua conduta não é punível. 


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Questão 4
Diego e Júlio caminham pela rua, por volta das 21h, retornando para suas casas após mais um dia de aula na faculdade, quando são abordados por Marcos, que, mediante grave ameaça de morte e utilizando simulacro de arma de fogo, exige que ambos entreguem as mochilas e os celulares que carregavam. 

Após os fatos, Diego e Júlio comparecem em sede policial, narram o ocorrido e descrevem as características físicas do autor do crime. Por volta das 5h da manhã do dia seguinte, policiais militares em patrulhamento se deparam com Marcos nas proximidades do local do fato e verificam que ele possuía as mesmas características físicas do roubador. Todavia, não são encontrados com Marcos quaisquer dos bens subtraídos, nem o simulacro de arma de fogo. Ele é encaminhado para a Delegacia e, tendo-se verificado que era triplamente reincidente na prática de crimes patrimoniais, a autoridade policial liga para as residências de Diego e Júlio, que comparecem em sede policial e, em observância de todas as formalidades legais, realizam o reconhecimento de Marcos como responsável pelo assalto. O Delegado, então, lavra auto de prisão em flagrante em desfavor de Marcos, permanecendo este preso, e o indicia pela prática do crime previsto no Art. 157, caput, do Código Penal, por duas vezes, na forma do Art. 69 do Código Penal. 

Diante disso, Marcos liga para seu advogado para informar sua prisão. Este comparece, imediatamente, em sede policial, para acesso aos autos do procedimento originado do Auto de Prisão em Flagrante. 

Considerando apenas as informações narradas, na condição de advogado de Marcos, responda, de acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, aos itens a seguir. 

A) Qual requerimento deverá ser formulado, de imediato, em busca da liberdade de Marcos e sob qual fundamento? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Oferecida denúncia na forma do indiciamento, qual argumento de direito material poderá ser apresentado pela defesa para questionar a capitulação delitiva constante da nota de culpa, em busca de uma punição mais branda? Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) A defesa de Marcos deverá formular requerimento de relaxamento da prisão, tendo em vista que não havia situação de flagrante a justificar a formalização do Auto de Prisão em Flagrante. Narra o enunciado que, de fato, Marcos, mediante grave ameaça, inclusive com emprego de simulacro de arma de fogo, subtraiu coisas alheias móveis de Diego e Julio, logo praticou dois crimes de roubo. As vítimas reconheceram o acusado, de modo que há justa causa para o oferecimento de denúncia. Todavia, não havia situação de flagrante a justificar a prisão do acusado. Isso porque o reconhecimento e prisão de Marcos ocorreram mais de 07 horas após o fato, sendo certo que não houve perseguição e nem com o agente foram encontrados instrumentos ou produtos do crime. Dessa forma, nenhuma das situações previstas no Art. 302 do Código de Processo Penal restou configurada. Em sendo a prisão ilegal, o requerimento a ser formulado é de relaxamento da prisão. Insuficiente, no caso, o examinando apresentar requerimento de liberdade provisória. Primeiro porque, em sendo a prisão ilegal, sequer deveriam ser analisados os pressupostos dos Artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal nesse momento. Além disso, a princípio, não seria caso de reconhecimento de ausência dos motivos da preventiva, já que foi praticado crime com circunstâncias graves e o agente é triplamente reincidente.

B) O equívoco a ser alegado em relação à capitulação delitiva refere-se ao concurso de crimes. Sem dúvidas, confirmados os fatos, houve crime de roubo, já que foram subtraídas coisas alheias móveis e houve emprego de grave ameaça, ainda que apenas através de palavras de ordem e emprego de simulacro de arma de fogo. Da mesma forma, dois foram os crimes patrimoniais praticados. Isso porque dois patrimônios foram atingidos e presente o elemento subjetivo, tendo em vista que Marcos sabia que estava subtraindo pertences de duas pessoas diversas. Todavia, com uma só ação, mediante uma ameaça, foram subtraídos bens de dois patrimônios diferentes. Assim, deverá ser reconhecido o concurso formal de delitos, aplicando-se a regra da exasperação da pena, e não o concurso material, com aplicação do cúmulo material de sanções.

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