12 de dez. de 2018

OAB - QUESTÕES OBJETIVAS DE D. PENAL - XX Exame de Ordem Unificado (2016.2)

FGV - Prova aplicada em 18/09/2016

Questão 1

Fausto, ao completar 18 anos de idade, mesmo sem ser habilitado legalmente, resolveu sair com o carro do seu genitor sem o conhecimento do mesmo. No cruzamento de uma avenida de intenso movimento, não tendo atentado para a sinalização existente, veio a atropelar Lídia e suas 05 filhas adolescentes, que estavam na calçada, causando-lhes diversas lesões que acarretaram a morte das seis. 

Denunciado pela prática de seis crimes do Art. 302, § 1º, incisos I e II, da Lei nº 9503/97, foi condenado nos termos do pedido inicial, ficando a pena final acomodada em 04 anos e 06 meses de detenção em regime semiaberto, além de ficar impedido de obter habilitação para dirigir veículo pelo prazo de 02 anos.


A pena privativa de liberdade não foi substituída por restritivas de direitos sob o fundamento exclusivo de que o seu quantum ultrapassava o limite de 04 anos. No momento da sentença, unicamente com o fundamento de que o acusado, devidamente intimado, deixou de comparecer espontaneamente a última audiência designada, que seria exclusivamente para o seu interrogatório, o juiz decretou a prisão cautelar e não permitiu o apelo em liberdade, por força da revelia. 


Apesar de Fausto estar sendo assistido pela Defensoria Pública, seu genitor o procura, para que você, na condição de advogado(a), preste assistência jurídica. 


Diante da situação narrada, como advogado(a), responda aos seguintes questionamentos formulados pela família de Fausto:


A) Mantida a pena aplicada, é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Em caso de sua contratação para atuar no processo, o que poderá ser alegado para combater, especificamente, o fundamento da decisão que decretou a prisão cautelar? (Valor: 0,60) 


Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.


Padrão de Resposta FGV

A) Tratando-se de crime culposo, o fato de a pena ter ficado acomodada em mais de 04 anos, por si só, não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sendo certo que o encarceramento deve ser deixado para casos especiais, quando se manifestar extremamente necessário.O Art. 44, inciso I, do Código Penal, afirma expressamente que caberá substituição, independente da pena aplicada, se o crime for culposo. No caso, como o fundamento exclusivo do magistrado foi a pena aplicada, é possível afastá-lo e, consequentemente, buscar a substituição em sede de recurso.


B) O fato de o acusado não ter comparecido ao interrogatório, por si só, não justifica o decreto prisional, devendo ser entendida a sua ausência como extensão do direito ao silêncio. Hoje, o interrogatório é tratado pela doutrina e pela jurisprudência não somente como meio de prova, mas também como meio de defesa. Por sua vez, o direito à ampla defesa inclui a defesa técnica e a autodefesa. No exercício da autodefesa, pode o acusado permanecer em silêncio durante seu interrogatório. Da mesma forma, poderá deixar de comparecer ao ato como extensão desse direito, sendo certo que no caso não haveria qualquer prejuízo para a instrução nesta ausência, já que a audiência seria apenas para interrogatório. A prisão, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, reclama fundamentação concreta da necessidade da medida, não podendo ser aplicada como forma de antecipação de pena.


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Questão 2
Lúcio, com residência fixa e proprietário de uma oficina de carros, adquiriu de seu vizinho, pela quantia de R$1.000,00 (mil reais) um aparelho celular, que sabia ser produto de crime pretérito, passando a usá-lo como próprio. Tomando conhecimento dos fatos, um inimigo de Lúcio comunicou o ocorrido ao Ministério Público, que requisitou a instauração de inquérito policial. A autoridade policial instaurou o procedimento, indiciou Lúcio pela prática do crime de receptação qualificada (Art. 180, § 1º, do Código Penal), já que desenvolvia atividade comercial, e, de imediato, representou pela prisão temporária de Lúcio, existindo parecer favorável do Ministério Público. A família de Lúcio o procura para esclarecimentos. 

Na condição de advogado de Lúcio, esclareça os itens a seguir. 


A) No caso concreto, a autoridade policial poderia ter representado pela prisão temporária de Lúcio? (Valor: 0,60)


B) Confirmados os fatos acima narrados, o crime praticado por Lúcio efetivamente foi de receptação qualificada (Art. 180, § 1º, do CP)? Em caso positivo, justifique. Em caso negativo, indique qual seria o delito praticado e justifique. (Valor: 0,65) 


Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.


Padrão de Resposta FGV

A) No caso concreto, a autoridade policial não poderia ter representado pela prisão temporária de Lúcio. De início, deve ser destacado que o crime de receptação, ainda que em sua modalidade qualificada, não está previsto no rol de delitos estabelecido pelo Art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89. Isso, por si só, já afastaria a possibilidade de ser decretada a prisão temporária. Ademais, os outros requisitos trazidos pelos incisos I e II do Art. 1º do mesmo diploma legal também não estão preenchidos, uma vez que Lúcio possui residência fixa e a medida não se mostra imprescindível para as investigações do inquérito policial. Ressalta-se que a prisão temporária não se confunde com a preventiva, de modo que a fundamentação com base nos artigos 312 e 313 do CPP será considerada insuficiente. 


B) O crime praticado por Lúcio foi o de receptação simples e não em sua modalidade qualificada. Prevê o Art. 180, § 1º, do Código Penal, que a pena será de 03 a 08 anos, quando o agente “Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime”. A ideia do legislador foi punir mais severamente aquele comerciante que se aproveita de sua profissão para ter um acesso facilitado ou maior facilidade na venda de bens produtos de crimes. Assim, para tipificar a modalidade qualificada, é necessária que a receptação tenha sido praticada pelo agente no exercício de atividade comercial ou industrial. Não basta que o autor seja comerciante. No caso concreto, apesar de comerciante, Lúcio não teve acesso ao celular produto de crime em razão de sua atividade comercial, pois o adquiriu de seu vizinho. Além disso, essa mesma atividade comercial não facilitaria eventual revenda do bem, já que sua intenção foi ficar com o celular para si. Dessa forma, configurado, apenas, o crime de receptação simples.


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Questão 3
Andy, jovem de 25 anos, possui uma condenação definitiva pela prática de contravenção penal. Em momento posterior, resolve praticar um crime de estelionato e, para tanto, decide que irá até o portão da residência de Josefa e, aí, solicitará a entrega de um computador, afirmando que tal requerimento era fruto de um pedido do próprio filho de Josefa, pois tinha conhecimento que este trabalhava no setor de informática de determinada sociedade. 

Ao chegar ao portão da casa, afirma para Josefa que fora à sua residência buscar o computador da casa a pedido do filho dela, com quem trabalhava. Josefa pede para o marido entregar o computador a Andy, que ficara aguardando no portão. Quando o marido de Josefa aparece com o aparelho, Andy se surpreende, pois ele lembrava seu falecido pai. Em razão disso, apesar de já ter empregado a fraude, vai embora sem levar o bem.  O Ministério Público ofereceu denúncia pela prática de tentativa de estelionato, sendo Andy condenado nos termos da denúncia. 

Como advogado de Andy, com base apenas nas informações narradas, responda aos itens a seguir.

A) Qual tese jurídica de direito material deve ser alegada, em sede de recurso de apelação, para evitar a punição de Andy? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Há vedação legal expressa à concessão do benefício da suspensão condicional do processo a Andy?

Justifique. (Valor: 0,60) 

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) A tese de direito material a ser alegada pelo advogado de Andy é que, no caso, não poderia ele ter sido punido pela tentativa, tendo em vista que houve desistência voluntária. Prevê o Art. 15 do CP que o agente que voluntariamente desiste de prosseguir na execução responde apenas pelos atos já praticados e não pela tentativa do crime inicialmente pretendido. Isso porque o agente opta por não prosseguir quando pode, ao contrário da tentativa, quando o agente não pode prosseguir por razões alheias à sua vontade. No caso, a execução já tinha sido iniciada, quando Andy empregou fraude. O benefício, porém, não foi obtido, sendo certo que o crime não se consumou pela vontade do próprio agente. Assim, sua conduta se torna atípica e deveria ele ser absolvido. 

B) Não há vedação legal, podendo Andy fazer jus ao benefício da suspensão condicional do processo. O crime de estelionato possui pena mínima de 01 ano, o que está de acordo com as exigências do Art. 89 da Lei nº 9.099/95. Ademais, prevê o dispositivo que não caberá suspensão se o agente já houver sido condenado ou se responder a outro processo pela prática de crime. Todavia, no caso, Andy havia sido condenado pela prática de contravenção penal, logo não há vedação à concessão do benefício.


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Questão 4
Joana trabalha em uma padaria na cidade de Curitiba. Em um domingo pela manhã, Patrícia, freguesa da padaria, acreditando não estar sendo bem atendida por Joana, após com ela discutir, a chama de “macaca” em razão da cor de sua pele.

Inconformados com o ocorrido, outros fregueses acionam policiais que efetuam a prisão em flagrante de Patrícia por crime de racismo (Lei nº 7.716/89 – Lei do Preconceito Racial), apesar de Joana dizer que não queria que fosse tomada qualquer providência em desfavor da pessoa detida. A autoridade policial lavra o flagrante respectivo, independente da vontade da ofendida, asseverando que os crimes da Lei nº 7.716/89 são de ação penal pública incondicionada. O Ministério Público opina pela liberdade de Patrícia porque ainda existiam diligências a serem cumpridas em sede policial. 

Patrícia, sete meses após o ocorrido, procura seu advogado para obter esclarecimentos, informando que a vítima foi ouvida em sede policial e confirmou o ocorrido, bem como o desinteresse em ver a autora dos fatos responsabilizada criminalmente. 

Na condição de advogado de Patrícia, esclareça: 

A)  Agiu corretamente a autoridade policial ao indiciar Patrícia pela prática do crime de racismo? Justifique. (Valor: 0,65)

B)  Existe algum argumento defensivo para garantir, de imediato, o arquivamento do inquérito policial? Justifique. (Valor: 0,60)

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A questão exige do examinando a diferenciação entre os delitos de racismo e injúria racial. 

A)  Não agiu corretamente a autoridade policial ao indiciar Patrícia pela prática do crime de racismo, tendo em vista que o delito praticado foi de injúria racial, previsto no Art. 140, § 3º, do Código Penal. Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça, ainda que a discriminação tenha sido praticada em determinado momento contra apenas uma pessoa. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. No caso, não houve discriminação de Joana em razão de sua cor. Não foi, em razão de sua cor, Joana proibida de frequentar determinado local ou adotar determinada conduta. Ocorre, por parte de Patrícia, uma ofensa à honra subjetiva de Joana, para tanto valendo-se de elementos referentes à sua cor, de modo que o delito praticado foi de injúria racial. 

B)  O argumento defensivo é que o crime de injúria racial é de ação penal pública condicionada à representação e que, passados mais de 06 meses desde a data do fato e conhecimento da autoria, a vítima não teve interesse em ver a autora criminalizada, de modo que deve ser reconhecida a decadência e, consequentemente, o inquérito ser arquivado.

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