12 de dez. de 2018

OAB - QUESTÕES OBJETIVAS DE D. PENAL - XXIII Exame de Ordem Unificado (2017.2)

FGV - Prova aplicada em 17/09/2017

Questão 1
José Barbosa, nascido em 11/03/1998, caminhava para casa após sair da faculdade, às 11h da manhã, no dia 07/03/2016, quando se deparou com Daniel, ex-namorado de sua atual companheira, conversando com esta. Em razão de ciúmes, retirou a faca que trazia na mochila e aplicou numerosas facadas no peito de Daniel, com a intenção de matá-lo. Daniel recebeu pronto atendimento médico, foi encaminhado para um hospital de Niterói, mas faleceu 05 dias após os golpes de faca. 

Já no dia 08/03/2016, policiais militares, informados sobre o fato ocorrido no dia anterior, comparecem à residência de José Barbosa, já que um dos agentes da lei era seu vizinho. Apesar de não ter ninguém em casa, a janela estava aberta, e os policiais puderam ver seu interior, verificando que havia uma faca suja de sangue escondida junto ao sofá. Diante disso, para evitar que José Barbosa desaparecesse com a arma utilizada, ingressaram no imóvel e apreenderam a arma branca, que foi devidamente apresentada pela autoridade policial. Com base na prova produzida a partir da apreensão da faca, o Ministério Público oferece denúncia em face de José Barbosa, imputando-lhe a prática do crime de homicídio consumado. 

Considerando a situação narrada, na condição de advogado(a) de José Barbosa, responda aos itens a seguir. 

A) Qual argumento a ser apresentado pela defesa técnica do denunciado para combater a prova decorrente da apreensão da faca? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Existe argumento de direito material a ser apresentado em favor de José Barbosa para evitar o prosseguimento da ação penal? Justifique. (Valor: 0,60) 

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação. 

Padrão de Resposta FGV
A) A defesa deveria alegar que a prova obtida a partir da apreensão da faca é ilícita, não podendo ser valorada no momento da sentença. Estabelece o Art. 5º, inciso XI, da CRFB/88 que a casa é asilo inviolável, não podendo nela ninguém ingressar sem consentimento do morador. A própria Constituição, todavia, traz exceções a esta regra, como na hipótese de flagrante delito ou mediante ordem judicial, durante o dia. Não havia, no caso apresentado, situação de flagrante delito, já que a simples posse de faca não configura crime e, em relação ao crime/ato infracional praticado no dia anterior, não havia situação de flagrância, pois ausentes os requisitos do Art. 302 do CPP. Ademais, não houve autorização do morador e nem existia ordem judicial de busca e apreensão, já que os policiais decidiram ingressar no imóvel porque viram a arma suja de sangue através da janela aberta.


B) Sim, existe, tendo em vista que José Barbosa não poderia ser denunciado pela prática de crime de homicídio qualificado, já que era inimputável na data dos fatos. O Código Penal, para definir o momento do crime, adota a Teoria da Atividade, prevendo o Art. 4º que se considerado praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que em outro seja produzido o resultado. Dessa forma, o crime foi praticado no dia 07.03.2016, quando José Barbosa tinha 17 anos. Estabelece o Art. 27 do CP que será inimputável o menor de 18 anos. O fato de a consumação do delito só ter ocorrido após a maioridade penal de José Barbosa é irrelevante para o caso concreto, já que outro foi o momento da ação.


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Questão 2
Gabriel, condenado pela prática do crime de porte de arma de fogo de uso restrito, obteve livramento condicional quando restava 01 ano e 06 meses de pena privativa de liberdade a ser cumprida. 

No curso do livramento condicional, após 06 meses da obtenção do benefício, vem Gabriel a ser novamente condenado, definitivamente, pela prática de crime de roubo, que havia sido praticado antes mesmo do delito de porte de arma de fogo, mas cuja instrução foi prolongada. 

Diante da nova condenação, o magistrado competente revogou o livramento condicional concedido e determinou que Gabriel deve cumprir aquele 01 ano e 06 meses de pena restante quando da obtenção do livramento em relação ao crime de porte, além da nova sanção imposta em razão do roubo. 

Considerando a situação narrada, na condição de advogado(a) de Gabriel, responda aos itens a seguir. 

A) Qual o recurso cabível da decisão do magistrado que revogou o benefício do livramento condicional e determinou o cumprimento da pena restante quando da obtenção do benefício? É cabível juízo de retratação em tal modalidade recursal? Justifique. (Valor: 0,65)

B) Qual argumento deverá ser apresentado pela defesa de Gabriel para combater a decisão do magistrado? Justifique. (Valor: 0,60) 

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Narra o enunciado que Gabriel cumpria pena privativa de liberdade pela prática de crime de porte de arma de fogo, quando obteve livramento condicional. No curso do livramento condicional, todavia, vem a ser condenado pela prática de crime de roubo, tendo o magistrado da execução decidido pela revogação do benefício e também por desconsiderar o período de pena cumprido em livramento. Da decisão proferida pelo juízo da execução cabe Agravo em Execução, na forma do Art. 197 da Lei de Execuções Penais, com prazo de interposição de 05 dias. Não há previsão expressa em lei sobre o procedimento a ser adotado no recurso de agravo, de modo que pacificou a doutrina e a jurisprudência que o processamento a ser adotado é semelhante ao do recurso em sentido estrito. Diante disso, cabível o juízo de retratação pelo magistrado competente para execução.


B) O argumento a ser apresentado pela defesa de Gabriel é que não poderiam ter sido desconsiderados os dias de livramento condicional como pena cumprida. De fato, Gabriel foi condenado, definitivamente, pela prática de crime no curso do livramento condicional, logo cabível a revogação do benefício. Trata-se, inclusive, de hipótese de revogação obrigatória. Ocorre que a condenação que justificou a revogação foi em razão da prática de delito anterior à obtenção do benefício, e não de novo crime praticado no curso do livramento. Dessa forma, as condições do livramento condicional vinham sendo regularmente cumpridas pelo apenado, de modo que os dias em que ficou em livramento deverão ser computados como pena cumprida e não desconsiderados. Assim, errou o magistrado ao afirmar que deveria Gabriel cumprir 01 ano e 06 meses de pena, desconsiderando os 06 meses cumpridos de livramento. Nos termos do aqui exposto estão as previsões dos Art. 86 e do Art. 88, ambos do Código Penal, além do Art. 141 da Lei 7.210/84.  


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Questão 3
No dia 29 de dezembro de 2011, Cláudio, 30 anos, profissional do ramo de informática, invadiu dispositivo informático alheio, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, com o fim de obter informações pessoais de famoso ator da televisão brasileira, sem autorização do titular do dispositivo.

Após longa investigação e representação da vítima, o fato e a autoria de Cláudio foram identificados no ano de 2014, vindo o autor a ser indiciado e, posteriormente, oferecida pelo Ministério Público proposta de transação penal em razão da prática do crime do Art. 154-A do Código Penal, dispositivo este incluído pela Lei nº 12737/12. Cláudio aceitou a proposta de transação penal, mas, em julho de 2015, interrompeu o cumprimento das condições impostas.

Temeroso em razão de sua conduta, Cláudio procura seu advogado, informando que não justificou o descumprimento e, diante disso, o Ministério Público ofereceu denúncia por aquele delito, tendo o juiz competente recebido a inicial acusatória em agosto de 2015. 

Considerando apenas as informações narradas, esclareça, na condição de advogado(a) prestando consultoria jurídica para Cláudio, os seguintes questionamentos.  

A) De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é possível a revogação do benefício da transação penal pelo descumprimento das condições impostas, com posterior oferecimento de denúncia? Justifique.  (Valor: 0,65)

B) Os fatos praticados por Cláudio, de fato, permitem sua responsabilização penal pelo crime do Art. 154-A do Código Penal? Justifique. (Valor: 0,60) 

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Sim, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é possível a revogação do benefício da transação penal, com posterior oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, caso as condições impostas venham a ser descumpridas, nos termos do Enunciado 35 da Súmula Vinculante do STF. Durante muito tempo se controverteu sobre as consequências do descumprimento das condições impostas quando da transação penal, alguns defendendo que apenas seria cabível a execução das mesmas, pois, uma vez homologada, haveria imediata extinção da punibilidade, enquanto outros admitiam a revogação do benefício, que estaria condicionado ao cumprimento das imposições. O STF, diante da controvérsia, pacificou o entendimento, por meio de enunciado vinculante, entendendo que a decisão homologatória de transação penal, nos termos do Art. 76 da Lei nº 9.099/95, não faz coisa julgada material, de modo que, descumpridas suas cláusulas, a situação anterior deve ser retomada, inclusive possibilitando ao Ministério Público o oferecimento de denúncia. 

B) Embora, literalmente, os fatos praticados por Cláudio se adequem à figura típica descrita no Art. 154-A do Código Penal, não é possível a responsabilização penal do autor pelo crime em questão, tendo em vista que os fatos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei nº 12.737/12, de modo que não pode uma lei mais grave ao acusado retroagir para prejudicá-lo. O princípio da legalidade impõe que não é possível a punição de qualquer pessoa por fato que a lei não define como crime no momento de sua ocorrência. Como consequência desse princípio, estabeleceu o Art. 5º, inciso XL, da CRFB/88 que a lei não retroagirá, salvo para favorecer o réu. No mesmo sentido as previsões do Art. 1º do Código Penal. Assim, diante da irretroatividade da lei penal desfavorável, considerando que os fatos ocorreram em 29/12/2011 e a Lei que introduziu o Art. 154-A no Código Penal somente foi editada no ano de 2012, incabível a punição de Cláudio pelo delito em questão, ainda que a denúncia seja em momento posterior. 


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Questão 4
Manoel conduzia sua bicicleta, levando em seu colo, sem qualquer observância às regras de segurança, seu filho de 02 anos de idade. Para tornar o passeio do filho mais divertido, Manoel pedalava em alta velocidade, quando, em determinado momento, perdeu o controle da bicicleta e caiu, vindo seu filho a bater a cabeça e falecer de imediato. 

Após ser instaurado procedimento para investigar os fatos, a perícia constata que, de fato, Manoel estava em alta velocidade e não havia qualquer segurança para o filho em seu colo. O Ministério Público oferece denúncia em face de Manoel, imputando-lhe a prática do crime previsto no Art. 121, §§ 3º e 4º, do Código Penal, já que a vítima era menor de 14 anos. Durante a instrução, todos os fatos são confirmados por diversos meios de prova.  

Considerando apenas as informações narradas, responda, na qualidade de advogado(a) de Manoel, aos itens a seguir.

A)A capitulação delitiva realizada pelo Ministério Público está integralmente correta? Justifique. (Valor: 0,60)

B)Qual argumento a ser apresentado para evitar a punição de Manoel pelo crime de homicídio culposo? Justifique. (Valor: 0,65)

Obs.: o(a) examinando(a) deve fundamentar suas respostas. A mera citação ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação. 

Padrão de Resposta FGV
A) A capitulação delitiva realizada pelo Ministério Público não está integralmente correta, pois, em que pese exista prova da materialidade e indícios de autoria em relação ao crime de homicídio culposo, não poderia ter sido imputada a causa de aumento prevista no Art. 121, § 4º, do CP, tendo em vista que a idade da vítima somente é relevante, no momento de analisar tal causa de aumento, quando o homicídio é de natureza dolosa. Assim, deveria ser afastada a causa de aumento imputada. 

B) O argumento a ser apresentado pela defesa técnica é da aplicação do perdão judicial, devendo o juiz deixar de aplicar a pena. De acordo com o Art. 121, § 5º, do CP, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção se torne desnecessária. De fato, pelas circunstâncias narradas no enunciado, houve crime de homicídio culposo, já que Manoel conduzia sua bicicleta em alta velocidade, com o filho de 02 anos no colo, sem observância do dever objetivo de cuidado. Todavia, seu comportamento causou a morte de seu próprio filho, o que, por si só, demonstra que as consequências da infração já foram graves o suficiente para o autor do fato, tornando a sanção penal efetivamente desnecessária. 

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