12 de dez. de 2018

OAB - QUESTÕES OBJETIVAS DE D. PENAL - XX Exame de Ordem Unificado (2016.2) (Reaplicação Porto Velho/RO)

FGV - Prova aplicada em 09/10/2016

Questão 1
Jorge, com 21 anos de idade, reincidente, natural de São Gonçalo/RJ, entrou em uma briga com seus pais, razão pela qual foi morar na casa de sua tia Marta, irmã de seu pai, na cidade de Maricá/RJ, já que esta tinha apenas 40 anos e “o entenderia melhor”. Após 06 meses residindo no mesmo local que sua tia, Jorge subtraiu o carro de Marta, levando-o para uma favela em Niterói, onde pretendia morar no futuro. No começo, Marta não desconfiou da autoria, porém após alguns dias, teve certeza de que o autor do crime era seu sobrinho, mas nada fez para vê-lo responsabilizado criminalmente, em razão do afeto que tinha por ele. Apenas, então, comunicou à seguradora que seu veículo fora furtado. 

Jorge, 01 ano após esses fatos, estava na direção do veículo que havia subtraído quando foi abordado por policiais militares que, constatando que aquele bem era produto de crime pretérito, realizaram sua prisão em flagrante. Jorge foi denunciado pela prática do crime de receptação, mas, no curso da instrução, foi descoberto que, na verdade, o acusado era o autor do crime de furto. O Ministério Público aditou a denúncia para adequá-la às novas descobertas e, após manifestação da Defensoria Pública, foi o aditamento recebido. Não houve requerimento de novas provas. Jorge o(a) procura para, na condição de advogado(a), apresentar as Alegações Finais. 

Considerando as informações extraídas da hipótese, responda aos itens a seguir. 

A)Qual a principal tese defensiva a ser formulada nas Alegações Finais para evitar a condenação de Jorge? (Valor: 0,65)

B)Na condição de advogado(a) do acusado, o que você alegaria, no campo processual, caso o juiz viesse a condenar Jorge, após o aditamento, de acordo com a imputação original de receptação? (Valor: 0,60) 

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) O enunciado narra a prática de um crime de furto simples consumado, praticado por Jorge contra sua tia Marta, com quem ele coabitava. Diante dessa relação de coabitação e parentesco, a ação penal pela prática de tal delito tem natureza de ação pública condicionada à representação. Isso porque o Art. 182, inciso III, do Código Penal prevê que somente se procede mediante representação a ação penal pela prática de crime contra o patrimônio em desfavor de tio, com quem o agente coabita. Não houve violência ou grave ameaça e a vítima não era maior de 60 anos, logo inaplicável o Art. 183 do Código Penal. Sendo a ação condicionada à representação, e não tendo ocorrido no prazo de 06 meses, ocorreu a decadência, de modo que a punibilidade de Jorge deve ser extinta (Art. 107, inciso IV, do Código Penal).


B) Não poderia o magistrado condenar o denunciado nos termos da imputação original, pois tal conduta violaria os princípios da ampla defesa e do contraditório, além, do princípio da correlação. Ademais, de acordo com Art. 384, § 4º, do Código de Processo Penal, o juiz ficará adstrito aos termos do aditamento.


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Questão 2
Lívia, primária e de bons antecedentes, foi presa em flagrante enquanto transportava 100g de cocaína a  pedido do namorado, conhecido traficante da comunidade em que residiam. 

Apesar de nunca ter participado de qualquer atividade do tráfico em momento anterior, Lívia atendeu ao  pedido do namorado com medo de ele terminar o relacionamento em caso de negativa. Já na viatura da Polícia Mi litar, os policiais passaram a filmar Lívia e conversar sobre o ocorrido quando de sua prisão, tendo ela confirmado os fatos acima descritos sem que soubesse estar sendo filmada.

Lívia, então, foi denunciada como incursa nas sanções penais do Art. 33 da Lei nº 11.343/06. Durante a  instrução, o Ministério Público juntou aos autos o vídeo feito no interior da viatura e dispensou a oitiva dos policiais responsáveis pela prisão, que eram as únicas testemunhas de acusação, tendo em vista que eles foram transferidos para um batalhão de outra comarca. Em seu interrogatório, Lívia permaneceu em silêncio. Insatisfeitos com a defesa técnica que atuava até o momento, a família da acusada, no momento das alegações finais, o(a) contrata na condição de advogado(a). 

Considerando apenas os fatos narrados, responda, justificadamente, aos itens a seguir. 

A)É possível a condenação de Lívia apenas com base no vídeo acostado aos autos? (Valor: 0,60)  

B)Em caso de condenação de Lívia como incursa nas sanções do Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, é possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos?(Valor: 0,65)   

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Não é possível a condenação de Lívia na hipótese narrada. Os policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante não foram ouvidos em juízo, logo não foram produzidas provas testemunhais pela acusação sob o crivo do contraditório, sendo certo que o Art. 155 do Código de Processo Penal impede que uma condenação seja baseada exclusivamente em elementos informativos produzidos durante o inquérito. Por sua vez, o vídeo, acostado aos autos, deve ser considerado prova ilícita, pois realizado em um interrogatório sem assegurar as garantias constitucionais, quais sejam, a de o preso permanecer em silêncio e estar acompanhado por um advogado. Há quem defenda que a gravação por um dos interlocutores, por si só, não constitui prova ilícita. Ocorre que, no caso concreto, a particularidade é que foi feito um interrogatório sem as garantias constitucionais, o que a jurisprudência tem chamado de “interrogatório sub-reptício”. 


B) Sim, é possível a substituição da pena privativa de liberdade aplicada pela restritiva de direito. A redação do Art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, veda expressamente esta substituição. Ocorre que, em sede de controle difuso de constitucionalidade, o STF considerou tal vedação em abstrato inconstitucional, por violar o princípio da individualização da pena. Em razão disso, o Senado, através da Resolução 05 de 2012, suspendeu a eficácia desta parte do dispositivo. Nada impede, assim, que, avaliando as particularidades do caso concreto, ocorra a substituição. Lívia é primária e de bons antecedentes, não tendo praticado crime com violência ou grave ameaça à pessoa, logo a substituição é adequada.

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Questão 3
No curso de uma audiência criminal, João, advogado de Pedro, acusado da prática de um crime de estupro, em sede de alegações finais orais, assevera que o representante do Ministério Público “é arbitrário e tem a sede da condenação, não se importando em acusar uma pessoa comprovadamente inocente”. 

Atendendo à manifestação do Promotor de Justiça, que se sentiu ofendido, o juiz destituiu o advogado e nomeou Defensor Público para continuar na defesa do acusado, que, na ocasião, não estava presente. O Defensor, então, concluiu as alegações finais orais. Na mesma assentada, o magistrado determinou a extração de peças, c om o encaminhamento ao Ministério Público, para apurar possível crime contra a honra praticado por João. Pedro, assistido pela Defensoria Pública, acabou condenado na forma do pedido inicial. João, por sua vez, após representação do Promotor de Justiça vítima, foi denunciado pela prática de crime de injúria. 

Considerando apenas as informações constantes na hipótese narrada, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir. 

A)Na condição de advogado(a) de João, qual tese de direito material você alegaria em seu favor para afastar a imputação delitiva?(Valor: 0,60)  

B)Na condição de advogado(a) de Pedro, qual é a tese a ser alegada, em sede de recurso, para anular a sentença condenatória?(Valor: 0,65)

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.  

Padrão de Resposta FGV
A) O examinando deve defender que não foi praticado crime contra a honra de funcionário público por parte de João, pois este estava apenas atuando na condição de advogado de Pedro, não ultrapassando os limites daquilo que sua função lhe permite. Em tese, o crime praticado por João seria o de injúria. Ocorre que, nos termos do Art. 142, inciso I, do Código Penal, não constitui crime de injúria a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador. Assim, a conduta de João foi atípica, não configurando a prática de crime contra a honra, pois a possível ofensa praticada foi na discussão da causa, defendendo o interesse de Pedro em juízo.

B) O examinando deveria manifestar-se pela nulidade do processo a partir do ato ilegal de destituição do advogado legalmente constituído ou da sentença, pois não poderia o magistrado ter desconstituído de ofício o advogado, sendo uma escolha da parte indicar a defesa técnica de sua confiança. No caso de ser necessário outro defensor, deveria o juiz intimar o acusado para que manifeste seu interesse em constituir outro advogado ou ser assistido pela Defensoria Pública. Na hipótese, a desconstituição de João e a posterior nomeação de Defensor Público para elaborar alegações finais, sem nem mesmo ter conversado com Pedro, prejudicou sua ampla defesa, garantida pelo Art. 5º, inciso LV, da CRFB/88, razão pela qual deve a sentença ser anulada.


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Questão 4
Maria, primária e com bons antecedentes, trabalha há vários anos dirigindo uma van de transporte de crianças. Certo dia, após mudar o itinerário sempre observado, resolve fazer compras em um supermercado, onde permaneceu por duas horas, esquecendo de entregar uma das crianças de 03 anos na residência da mesma. Ao retornar ao veículo, encontra a criança desfalecida e, desesperada, leva-a ao hospital, não conseguindo, porém, evitar o óbito. Acabou denunciada e condenada pela prática do injusto do Art. 133, § 2º, do Código Penal (abandono de incapaz com resultado morte) à pena de 04 anos de reclusão em regime aberto. 

Apesar de ter respondido ao processo em liberdade, não foi permitido à Maria apelar em liberdade, fundamentando o juiz a ordem de prisão na grande comoção social que o fato causou. A família dispensou o advogado anterior e o(a) procurou para que assumisse a defesa de Maria. 

Considerando apenas as informações narradas na situação hipotética, responda aos itens a seguir. 

A) Qual a tese de direito material a ser alegada em eventual recurso defensivo para evitar a punição d e Maria pelo crime pelo qual foi denunciada? Justifique. (Valor: 0,65)  

B) Qual a medida que deve ser adotada na busca da liberdade imediata de Maria e com qual fundamento? Justifique. (Valor: 0,60)   

Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação.

Padrão de Resposta FGV
A) Deveria o advogado buscar a absolvição de Maria pelo fato de não ter praticado dolosamente o abandono de incapaz ou, ao menos, a desclassificação para homicídio culposo. O crime de abandono de incapaz somente pode ser praticado de forma dolosa, não admitindo a responsabilização criminal do agente a título de culpa. Na hipótese, de acordo com o texto apresentado, Maria não teve a intenção de abandonar a criança no veículo, tendo, de forma negligente, a esquecido no interior do carro. Dessa forma, não há como ser mantida a condenação pelo crime de abandono de incapaz. O Art. 133, § 2º, do Código Penal, apesar de ser aplicável quando o resultado morte decorrer de culpa, exige que haja dolo na conduta antecedente, qual seja, abandono de incapaz, o que não ocorreu na presente hipótese. 

B) Para garantir a liberdade imediata de Maria, o advogado deveria impetrar habeas corpus visando restabelecer a liberdade da ré até o trânsito em julgado da sentença condenatória. A regra geral, que obviamente admite exceções, é a de que o acusado deve apelar na mesma condição em que se encontrava no curso da instrução. Estando solto, apela solto; estando preso e sendo condenado em primeira instância, em especial à pena em regime de cumprimento fechado, poderá ser mantida a prisão. No caso concreto deveria ser combatida a decisão que decreta a prisão preventiva de Maria. Alguns argumentos poderiam ser apresentados pelo examinando. Primeiramente, poderia ele alegar que não houve circunstância fática nova a justificar a decretação da prisão preventiva, que é medida cautelar e não antecipação do cumprimento da pena. Da mesma forma, poderia esclarecer que a motivação pela comoção social é insuficiente, pois não confunde com o risco para a ordem pública, ademais, de acordo com jurisprudência firme dos Tribunais Superiores, comoção social não enseja prisão cautelar. A sentença condenatória não inovou a situação de modo a justificar a alteração do status libertatis. Por fim, poderia o examinando alegar que Maria foi condenada a 04 anos de reclusão, em regime inicial aberto. A imposição de prisão preventiva, que é medida cautelar, acabaria sendo mais gravosa do que a medida final aplicada, o que violaria o princípio da homogeneidade.

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